Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

Minhas pesquisas

Pelo que sei sempre fui curiosa. Segundo minha mãe perguntava o 'porquê' de tudo...

Isso quando era criança. Mas quem nasce curiosa acredito que morre curiosa...

Só que com o tempo essa curiosidade foi orientada para a pesquisa.

Como licencianda fui orientada  a pesquisar se e como meus alunos entenderam algo.

Como já era 'meio' curiosa, lógico que assim que me vi 'dona' da 'minha' sala de aula, com meus alunos e alunas, tratei de pesquisar.

Procurava ver se as criaturinhas estavam entendendo, porque desgraça me respondiam que homem tem vagina, coisinhas assim...

Virei uma 'professora perguntadeira'. Vivia perguntando aos meus anjos tudo que tentava explicar.

Saía cada respostinha estapafúrdia. Como quando estava explicando o que é 'distância percorrida'.
Perguntei qual a distancia percorrida por um carro que vai de uma cidade A até uma cidade  B e volta para a cidade A, sabendo que a distância  entre essas cidades é de  35 km. Uma criatura responde (convicta!) 88 km. Como? Lá vou eu perguntando... A criatura responde (levantando e mostrando no quadro onde o número 35 estava escrito): vai e percorre 35 km, volta e percorre 53 (como volta, passa primeiro no número 5 e depois no 3).

Gente, essa me deixou doida. Para que desgraça eu perguntei?

Mania besta de perguntar tudo.

Depois de uma meia hora de tentativa de explicar que não é pq voltava que o número mudava (percorria 35 km na ida e 35 km na volta), a criatura já desesperada, dizia que sabia estar errada porque todo mundo (eu e a turma toda) estava explicando que a forma de pensar dela não era correta. Aí, de repente, ela olha para a gente e diz: 'entendi'. Amém!!

Tenho até hoje muitas pesquisas escritas. Pesquisava o que meus alunos e alunas pensavam por exemplo sobre uso da camisinha. Eles acreditavam que era melhor usar duas camisinhas que uma!

Fui guardando essas pesquisas, comparando uma coisa com outra, as ideias de meninos e meninas (semelhanças e diferenças), mas nunca escrevi. Isso mudou quando tentei  entrar no mestrado. Peguei os meus resultados e fui escrever. De forma acadêmica o que descobri ao longo de vinte anos em sala de aula. Lógico que nem tudo eu consegui escrever para publicar em eventos ou revistas.

Mas acho que essas pesquisas podem fornecer ideias para outros professores. Por isso vou postar aqui alguns resultados, artigos já publicados e as ideias de pesquisa que me ocorreram nestes anos.



Desastre

Tem dias que não entendo como a cabeça dessas crianças funciona.

Tudo bem, nunca fui uma criança quieta. Já me machuquei muito. Mas meus alunos e alunas às vezes conseguem me superar, e muito.

Ano passado depois de explicar um assunto aos meus alunos do 6º ano passei um exercício e fui para a janela (para sair da frente dos meus anjos que reclamavam que minha cabeça estava na frente do quadro). Através da janela vi que alguns alunos do 7º ano estavam brincando de correr no pátio. Fiquei preocupada com um possível tombo. Afinal, minha experiência em quedas me diz ser bem provável durante esse tipo de brincadeira a gente cair, se ralar, e voltar a correr.  De repente um menino leva um tombo e cai por cima do braço. Percebi na hora que o tombo foi feio. Ele caiu com todo o peso do corpo sobre o braço e não levantou. Os colegas pararam a brincadeira e correram para ele. Disse aos meus alunos para não saírem da sala e corri para onde estava o menino acidentado. Nenhum adulto tinha visto a queda nem sabia o que tinha acontecido. Poderia ser bem grave.
Quando cheguei até o menino vi que escorria sangue do seu braço. Havia um 'buraco' abaixo do cotovelo e o sangue escorria...
Tentei acalmar o menino e corri para a sala da direção. O diretor chamou o SAMU e me deu um pano limpo para tentar cobrir o ferimento. Enrolei o braço do menino e deixei ele com uma funcionária da escola. Depois fiquei sabendo que a mãe do menino chegou e foi com ele para a urgência (levados pelo SAMU).

Ele levou uns pontos e ficou tudo certo. menos mal. 

Vocês acreditam que essa semana esse mesmo menino colocou o dedo na porta (que alguém empurrou) e cortou parte do dedo? Outro corre corre (esse eu não vi, estava na sala de vídeo), levaram o menino e o pedaço do dedo para o hospital. Lá os médicos tentaram fazer o enxerto. (Observação feita alguns meses depois do acontecido: Ainda bem que deu tudo certo e ele não perdeu o dedo.)

Mas no dia seguinte do acidente, na mesma sala que aconteceu o acidente, peguei alunos 'brincando' de empurrar a porta. Um empurra para dentro e outros para fora. Uma 'brincadeira para medir forças. Só que foi nesse tipo de brincadeira que o colega cortou fora parte do dedo.

Como é que essas criaturas conseguem repetir a brincadeira que pode ter custado o dedo do colega dias antes?

Juro que não entendo meus anjos...

O que é mais importante?

Para mim, gente é importante. Gente que ri, chora, que sente. Para mim viver é sentir.

Talvez por isso me preocupe com os sentimentos de meus alunos. E como crianças e adolescentes tem sentimentos exacerbados...

Bem, mas voltando às crianças: se vc trabalha em uma comunidade pobre sabe que seus alunos não vão usar tênis na escola. Usam chinelos. E às vezes as tiras quebram. Aí eles pedem um grampeador e 'consertam' o chinelo. Aprendi com eles que por trás de um aluno(a) com chinelo bem 'destruído' podemos ter um(a) criança brilhante. As roupas não dizem o que se é.

Mas essa é minha vivência. De mais de 20 anos em escolas periféricas, onde crianças às vezes não vão para a escola porque não tem o que comer.

Em uma das escolas nas quais trabalhei vi profissionais da educação mais preocupados com o tênis que a criança não usava (estava de chinelo) que com o caderno que não aparecia na sala.

Um professor reclamou na direção que um aluno estava sem tênis. Chamaram a mãe e perguntaram se ela poderia comprar. Para que o menino não ficasse diferente dos colegas. O menino apareceu com o tal tênis. Isso de usar tênis ou chinelo não me incomodava. Mas aquele menino não escrevia nada no caderno. Aliás nunca vi um caderno dele. Aí um dia, qdo eu estava meio sem paciência de ver a criatura sem copiar, perguntei: "Porque vc não copia? A resposta: "Por que não tenho caderno.". Aí eu disse: "Só isso? Se eu te der um caderno vc copia?". O menino disse que sim. Eu prometi levar o caderno. Isso foi numa sexta feira. Na segunda o menino perguntou do caderno (como não tinha saído o final de semana não havia comprado). Perguntei a ele se existia alguma coisa que ele não usaria em um caderno, como cor, desenho... Ele me disse: "Professora, qualquer caderno serve. Até rosinha se a senhora tiver em casa. Não tem problema não."
Já sabe que saí da escola e fui comprar o tal caderno. Comprei um de 12 matérias e com um carro na capa. achei bonitinho. Foi junto um kit: canetas, lápis e borracha. Quero ver agora não copiar!

Entreguei o caderno e o menino ficou feliz que nem pinto no lixo. Comentei com os colegas e eles disseram que o menino estava copiando. Realmente só faltava o caderno.