Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

Temas que ainda incomodam na sala de aula

O que se sabe sobre caso da menina de 11 anos impedida de fazer aborto em SC após estupro

Criança foi impedida de interromper gestação e mantida em abrigo pela Justiça para evitar aborto autorizado. Joana Riberio Zimmer, juíza responsável pela decisão, anunciou sua saída do caso nesta terça (21).

(https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/06/21/o-que-se-sabe-sobre-caso-da-menina-de-11-anos-impedida-de-fazer-aborto-em-sc-apos-estupro.ghtml)


Falei sobre esse caso em sala hoje. 

Não foi fácil. Na realidade,  comecei a falar sobre Gravidez na adolescência.  Era meu tema principal. Mas, se desse tempo falaria hoje também sobre Violência sexual. Se não desse tempo, falaria na aula seguinte. Mas tava tudo pronto!!

Lembro que quando algumas meninas viram o tema (Sexualidades), ficaram chateadas (de novo falando sobre isso? Já tenho o pessoal de casa, do Posto de saúde e agora até a escola?). 

Disse que o assunto faz parte da Base nacional Curricular Comum e é um tema que devo abordar. E fim. Não sou muito de dar importância para reclamações dessas criaturas. Respondo, mas não deixo de fazer o trabalho.

Aí mostrei dados (estava usando Power point) sobre problemas que ter um filho cedo pode provocar nas meninas (como abandono de escola e menor remuneração de mulheres com filhos). Também falei das mortes que acontecem em meninas grávidas (durante a gestação e no parto). Fiquei impressionada com alguns comentários "mas ela escolheu engravidar, tem que aceitar as consequências". 

Disse na hora (para a sala toda, sem me dirigir especificamente ao grupo que proferiu os comentários) que tivessem cuidado com julgamentos. Ninguém está na pele do outro. 

Aí comentei o caso de uma ex-aluna que engravidou e me chamou atenção.  Na época fiquei realmente chocada quando soube da gravidez dela. Porque ela era uma aluna bem 'espertinha'. Das que acreditei não engravidaria sem querer. Aí questionei a aluna (no alto da minha arrogância) o motivo dela ter engravidado. A resposta da menina, no início não fez sentido para mim: "Professora, sabe o que é dormir 3 anos com uma faca embaixo do travesseiro?" Fiquei olhando para a menina sem entender a resposta (O que uma faca está fazendo embaixo do travesseiro? E o que essa faca tem a ver com a gravidez dessa menina?). 

A diretora me explicou depois (a conversa com a aluna foi junto com a diretora) que ela estava sofrendo abuso do pai. Mas não queria denunciar. Engravidar do namoradinho foi uma forma de fuga que ela encontrou.  

Depois que falei isso, as meninas que estavam criticando adolescentes engravidarem, ficaram aparentemente em choque. As conversas mudaram. Os julgamentos sobre meninas que engravidam pararam. Então reforcei que tomassem cuidado com julgamentos. Porque que cada caso é um caso. Não estamos vivendo a vida de outras pessoas. Não nos cabe criticar. Podemos até acreditar  que faríamos diferente. Mas será que conosco seria diferente mesmo? Uma coisa é falar sobre algo, outra bem diferente é vivenciar o fato. 

Mas seguimos a aula. Depois de alguns minutos entrei no tema da Violência sexual e do abuso. 

Aí falei dessa menina da reportagem acima. Que só por ter 11 anos já seria estupro. Algumas alunas disseram que não concordam com o aborto. Eu tentei explicar, argumentar,  mas nada funcionou. 

Terminei dizendo que elas poderiam opinar na vida delas. Se algum dia isso acontecesse com elas. Mas na vida da menina de 11 anos, a única opinião válida era dos responsáveis.  Que o que serve para uma pessoa não serve para as demais. 

Espero ter convencido. Embora tenha minhas dúvidas.

Tem momentos como esse que embora eu saiba que é bem difícil mudar uma opinião arraigada em crenças com raízes profundas de origem familiar e religiosa, fico triste em pensar que não consegui trabalhar a empatia por uma criança de 11 anos.

Mas tenho esperança que algo tenha ficado. Bem lá no fundo. Porque sei que me ouviram. Discordaram mas ouviram. Quem sabe, quando forem mais velhas minhas palavras façam mais sentido? 

É o que espero. Minha esperança é o futuro. E é essa esperança que me move. Para fazer mais, conversar mais, tentar mais. Minhas  crianças merecem...



O link para o Power point da aula está abaixo.

https://1drv.ms/p/s!As7KhXgHzOY7iKATwvP_IRe4ikDLgQ?e=NLeMlx