Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

Agora uma quinta escola

Mudanças

Amava a minha quarta escola!

Colegas maravilhosos(as), alunos e alunas divertidíssimos. E muitos bem inteligentes.

Mas as coisas ficaram complicadas. Pessoas estranhas à escola entrando na mesma. No bloco das salas de aula. Uma aluninha que tinha pedido para ir ao banheiro voltou para a sala apavorada. Dizendo que 'tinha um homem armado no corredor'. E estávamos em uma sala de aula que nem porta tinha. Então, coloquei a criaturinha sentada, e fiquei na porta, tentando evitar que as pessoas estranhas entrassem.

Eu não podia sustentar essa situação por muito tempo. E como percebi que o problema poderia reaparecer, resolvi mudar de escola. Fui para uma escola mais longe. Mas bem mais tranquila.

Estou conseguindo trabalhar. Em paz. E isso já é um ganho imenso.


A quinta escola

Uma escola nova. com muitas coisas diferentes da que estava acostumada.

Nessa nova escola poucos professores lecionam a semana toda (um turno só). Muitos deles lecionam apenas dois dias (três turnos). Porque trabalham no interior e em outros estados.

Mas estou impressionada com o grupo. Vão para a sala de aula sem reclamação (nem vou dizer como colegas de outras escolas reclamavam); procuram cooperar e ajudar no que é possível.

Esse ano algumas coisas aconteceram comigo: primeiro quebrei o pé. Em casa, descendo uma escada. Cinquenta dias de licença. Ninguém merece. Ficar mais de um mês sem poder botar o pé no chão.

Como não tinha nada para fazer, fiz crochê. Aliás, essa foi a minha outra novidade. E até que foi legal. E agora estou ensinando ás minhas alunas. Quem sabe conseguem um dinheirinho fazendo peças de crochê?

Nova escola, novos colegas. Mais desafios! To dentro!!


Voltando à mudança...

Como já falei, embora amasse de paixão a escola anterior (aquela que alagava) precisei sair. Coisas esquisitas começaram a acontecer. Tentei resistir, mas optei por manter minha saúde. Do jeito que as coisas estavam eu nem era mais eu. Não ria, vivia estressada. As coisas que aconteciam estavam me deixando ansiosa, com insônia (e olha que durmo MUITO bem, sou boa de cama, deito e durmo! kkkk). Então pedi remoção e mudei. Escola nova, mas ainda na periferia (e perto da anterior, mas mais longe da minha casa). Tudo bem.

Só que essa escola é diferente. Me chamou atenção que alguns alunos trans conviviam bem com os colegas. Não é o paraíso. Mas tem muita coisa legal. E algumas tristes.

Bem, como já falei, uma semana depois que começaram as aulas na escola nova quebrei o pé. Em casa. Virou e escutei um "croc". Aí pensei: "Pronto, quebrou. Ficou 'crocante'. "
Vou para a Urgência, tiro raio-X e tá lá o pé quebrado. Engessou. E, como falei antes, fiquei de licença médica por 50 dias.Por isso voltei ao crochê. Gente, até fiz até uma manta para o sofá!

Depois voltei para a escola. E terminei o ano como deu. Ainda não era eu. Mas estava melhorando.
Já ria em sala. Brincava.
E meus anjos do 6º ano aprontando cada uma...
Mas isso conto depois.


COLORINDO

Eu uso pincéis coloridos (azul, vermelho, verde, preto, laranja, rosa, roxo). Às vezes consigo até tons diferentes (dois tipos de verde, por exemplo). É bem útil para ajudar as crianças a entenderem o conteúdo. Por exemplo, quando escrevo uma cadeia alimentar, uso verde para produtor, amarelo para consumidor primário, azul para consumidor secundário,...
Outras vezes uso essas cores para selecionar temas diferentes em um texto, como nesse:
“Assim que nasce, o bebê já percebe as luzes do ambiente e os vultos de quem o auxiliou a vir ao mundo: o médico obstetra ou a parteira, enfermeiras e pediatra e, principalmente, sua mãe. Seus sentidos continuarão a ser estimulados quando estiver nos braços dela e sentir o calor do seu corpo, o toque de suas mãos, o sabor do leite, o cheiro de sua pele, o som de sua voz.

Retire do texto acima as informações que se referem:
a) a visão
b) ao tato
c) ao olfato
d) ao paladar
e) a audição

As cores ajudam bastante. E na bolsinha que guardo os pincéis também tem canetas de cores bem diferentes. Azul claro, verde (três tons), rosa (dois), laranja, vermelho, roxo (dois), marrom, dourado, prateado...
As crianças sabem que podem pegar na bolsinha (mas sempre me pedem eu eu tiro todas as canetas e coloco na mesa). Vi alguns meninos pegando as canetas rosa, mas não pensei que fosse uma escolha direcionada ao rosa. Pensei que como tenho muitas canetas rosa, podia ter sobrado só essa cor na mesa (que chega primeiro escolhe dentre maior variedade de cores).
Mas com o tempo fui percebendo que os meninos escolhiam mesmo a cor rosa. E meninas gostavam de usar azul. |Interessante! E o mais interessante que ninguém falava nada dessa escolha. Perfeito!!
Meninos e meninas escrevendo no caderno com as cores que mais chamam atenção. Sem a preocupação que alguém vá dizer que "rosa é cor de menina" ou "azul é cor de menino". Maravilha!!!
Liberdade é outra coisa.

Atrás da porta

No primeiro ano que lecionei na quinta escola, aconteceram fatos que me chamaram a atenção.

Um deles aconteceu quando estava saindo da sala de um 6º ano. Percebi que um aluninho estava escondido atrás da porta. Chamei ele e perguntei o que estava fazendo escondido ali. A criaturinha, na maior inocência me diz: "É que eu vou dar um susto no professor João" (nome fictício, nunca tive um colega com nome João). Me disse isso com o maior sorriso no rostinho. Inocência pura. Queria brincar com o professor. Se sentia à vontade para fazer essa brincadeira.

Mas eu estava preocupada. O professor João era hipertenso. Fiquei pensando enquanto olhava para aquele sorriso, se deveria tentar explicar isso aquele menino. Achei melhor não.

Saí da sala pensando em procurar o tal professor e contar que tinha uma criaturinha atrás da porta. E achei ele no caminho para a sala de aula. Puxei ele para um lado (para que ninguém ouvisse) e expliquei que nosso aluninho estava atrás da porta para dar um susto nele. O professor entendeu na hora e disse: "Não se preocupe, vou tomar um susto daqueles." E saiu rindo.

Alguns dias depois, entrando nessa turma, perguntei ao menino se tinha dado o susto no professor. A criaturinha abre o sorriso e diz: "Dei sim, professora! Ele tomou um susto!! Foi bem engraçado!"

Todos satisfeitos, felizes. Entender que criança brinca, que não faz certas coisas com o intuito de prejudicar ninguém, é importante. Esse professor, melhor que eu, entendeu e entrou na brincadeira.

Nem sempre as coisas funcionam tão bem. Mas nesse caso deu supercerto!!


Pesquisas das criaturinhas... 

Gosto muito de fazer pequenas 'pesquisas' com meus alunos. Não uma pesquisa nos moldes acadêmicos, mas pesquisar as visões que alunos e alunas tem sobre temas diversos.
Ano passado (2018) eu estava prestes a iniciar o Reino Plantae. E pensei em uma forma de introduzir o assunto através de uma pesquisa que alunos e alunas fariam com  adultos do bairro. Sobre o uso de plantas medicinais. Duas perguntinhas: "Você faz uso de alguma planta medicinal?"; e se a pessoa respondesse afirmativamente viria a segunda pergunta (dividida em duas, que coloquei em uma tabelinha): "Qual planta? Para que? Abaixo vai o modelo que entreguei aos alunos e alunas.
Pedi também que pedissem uma folhinha da planta. A ideia era montarmos em painel com essas folhas. Comparar formatos, texturas. Achei que podia ficar legal.

 Usa alguma planta para tratar doenças (febre, problemas de estômago/intestino, vermes,...)? (  ) Não      (  ) SIM     
- Qual planta?  Para que? Tem uma folhinha para me dar?
Planta
Para que








E deu certo. As criaturas trouxeram os resultados e bastante material para o painel. Não só folhas, mas outras partes que as pessoas faziam uso. Até saquinhos de chá (daqueles prontos que vendem em supermercados) as criaturas trouxeram.Um aluno fez algo bem interessante: um vídeo com a entrevista. Muito criativo.
Tabulei os dados com as plantas e para que cada uma servia. Somei quantas pessoas citaram cada planta e os usos que cada um citou. Achei legal. Alunos e alunas gostaram dos resultados.
Abaixo vai parte dos resultados obtidos.
Planta
Quantas vezes
Usos
Boldo
13
problema no estomago, dor de estômago, dor de cabeça, dor de barriga, estômago, intestino, nervos
Cidreira
10
Calmante, dormir, dor de barriga, dor de estômago, problemas estomacais
Sambacaitá
10
Inflamação, gripe, febre, dor nos ossos
Manjericão
6
Gripe, soltar catarro, dores de garganta
Capim santo
5
dor de estômago, dor de barriga, calmante
Hortelã
5
gripe, tosse e garganta
Erva doce
4
digestão, gases, dor de barriga, Problemas respiratórios, como asma e bronquite
Quebra-pedra
4
dor e inflamação, rins e azia, pedra no rim
Aroeira
3
Febre, inflamação, ferida
Camomila
3
acalma os nervos, para o intestino, enjoo
Hortelã miúdo
3
Verme,
Sete dores
3
Dores musculares

Até aqui estava tudo no meu planejamento de aula.Uma introdução ao estudo das plantas. Mas aí um colega lembrou que a Feira das Ciências deveria acontecer em menos de um mês. Não tinha preparado nada. Então achei que as criaturinhas podiam apresentar o resultado da pesquisa deles/as.
E assim fizemos. Preparamos até gráficos. E como fiquei trabalhando em conjunto com o professor de História, ele fez algo com os resultados que me chamou atenção. Inverteu o que eu fiz. Eu, Bióloga, priorizei as plantas. Ele organizou os resultados pelos usos. Ficou muito bom.

Mas o que me chamou atenção foi o comentário de uma aluna que estava apresentando o trabalho na Feira. No final, quando estávamos guardando o material, ela disse: "Professora, eu gostei muito de apresentar esse trabalho. Porque fui eu que fiz. Não tive que falar o que os outros fizeram."
Falar o que fez, mostrar o resultado do trabalho dela foi marcante. Para ela e para mim.

Fazemos as atividades de forma a atender um objetivo simples, direto. Mas às vezes alcançamos bem mais do que sequer poderíamos imaginar.

Vacilei 

Durante esses 28 anos de magistério tive alguns alunos especias. Surdos (ou parcialmente surdos), sem partes do corpo (ou com algum problema motor). Ano passado tive alguns alunos especiais. Um deles me chamava atenção. Tinha um tempo diferente mas aprendia. Pelo que entendi a mãe dava bastante reforço em casa. Um doce menino grande.
Nessa escola temos pessoas espacializadas para acompanhar nossos alunos e alunas especiais. Esse atendimento é feito em turno contrário em uma "salinha".
Alguns desses alunos e alunas fazem prova na "salinha", com a orientadora.
Já acostumada com a rotina, no dia da minha prova entreguei a mesma ao meu aluno especial. Ele me disse então, que "a tia da salinha não veio". Aí ele disse que a "Tia da salinha" só lia a prova para ele, mas ele respondia. Eu disse que podia ler. Depois que a turma estivesse acomodada fazendo a prova.
Arrumei alunos e alunas, entreguei a prova e sentei na minha mesa, com o aluno do lado. Li a primeira pergunta. O aluno nem piscou, respondeu "na lata" e em voz alta. Toda a sala ouviu a resposta dele (que estava correta), e eu fiquei sem reação. Aí disse ao meu aluno que ele faria a prova outro dia, com a "tia da salinha", porque não daria certo ele falar as respostas naquele momento (ia dar cola para todo mundo, kkkk).
Nessa hora entendi porque ele precisava fazer a prova separado dos demais: ele respondia em voz alta, e só depois escrevia.
Ou seja, quando ele dava a resposta em voz alta estava dizendo para a turma toda. Uma cola autorizada por mim. Nem pensar.

Percebi que nesse caso "vacilei" ao deixar o aluno 'responder' a pergunta. Não me ocorreu que ele faria isso em voz alta. Erro meu, não dele.

Outro dia ele levou a prova e fez na "Salinha". Mais seguro. kkkk