Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

A quarta escola, um lugar especial

A quarta escola

Precisei sair da terceira escola. Ela foi reformada e depois da reforma ficou com 10 salas a menos. Saímos quase todos os que entraram pelo concurso...

Fui, junto com Fonseca, o  Professor de geografia da terceira escola, para essa outra escola.

Era uma escola periférica, já perto do limite com outro município. Essa escola estava em um bairro que era uma antiga lixeira. Ela foi construída abaixo no nível da rua, por isso nós precisávamos descer umas escadas para entrar nela.

Dá para imaginar que a escola é quente, não é? Um forno. A antesala do inferno...

Mas, além do calor, a escola tem outro problema, esse mais grave: ela inunda. E não é qq água não. Quando chove com um pouco mais de intensidade a água entra na escola e faz da mesma uma verdadeira 'piscina'.

Olhem essas reportagens:
http://www.infonet.com.br/educacao/ler.asp?id=86787&titulo=educacao






Mas porque com tudo isso, chamei essa escola de 'lugar especial'? Porque @s Professores/as que aqui trabalham fazem isso com muita dedicação. Aqui se trabalha , e muito...

E se diverte.Um São João a alguns anos atrás...







A gente trabalha bastante, mas tem cada resultado...


Sarau de poesia

As crianças apresentaram suas poesias...

Acho tão bonito eles se descobrirem poetinhas...

Por isso é uma escola especial, temos até poetas...

Desastre

Tem dias que não entendo como a cabeça dessas crianças funciona.

Tudo bem, nunca fui uma criança quieta. Já me machuquei muito. Mas meus alunos e alunas às vezes conseguem me superar, e muito.

Ano passado depois de explicar um assunto aos meus alunos do 6º ano passei um exercício e fui para a janela (para sair da frente dos meus anjos que reclamavam que minha cabeça estava na frente do quadro). Através da janela vi que alguns alunos do 7º ano estavam brincando de correr no pátio. Fiquei preocupada com um possível tombo. Afinal, minha experiência em quedas me diz ser bem provável durante esse tipo de brincadeira a gente cair, se ralar, e voltar a correr.  De repente um menino leva um tombo e cai por cima do braço. Percebi na hora que o tombo foi feio. Ele caiu com todo o peso do corpo sobre o braço e não levantou. Os colegas pararam a brincadeira e correram para ele. Disse aos meus alunos para não saírem da sala e corri para onde estava o menino acidentado. Nenhum adulto tinha visto a queda nem sabia o que tinha acontecido. Poderia ser bem grave.
Quando cheguei até o menino vi que escorria sangue do seu braço. Havia um 'buraco' abaixo do cotovelo e o sangue escorria...
Tentei acalmar o menino e corri para a sala da direção. O diretor chamou o SAMU e me deu um pano limpo para tentar cobrir o ferimento. Enrolei o braço do menino e deixei ele com uma funcionária da escola. Depois fiquei sabendo que a mãe do menino chegou e foi com ele para a urgência (levados pelo SAMU).

Ele levou uns pontos e ficou tudo certo. menos mal. 

Vcs acreditam que um ano depois esse mesmo menino colocou o dedo na porta (que alguém empurrou) e cortou parte do dedo? Outro corre corre (esse eu não vi, estava na sala de vídeo), levaram o menino e o pedaço do dedo para o hospital. Lá os médicos tentaram fazer o enxerto. No final deu tudo certo e a criatura não perdeu o dedo.

Mas no dia seguinte dessa 'decapitação do dedo', na mesma sala que aconteceu o desastre, peguei alunos 'brincando' de empurrar a porta. Um empurra para dentro e outros para fora. Uma 'brincadeira para medir forças. Só que foi nesse tipo de brincadeira que o menino (colega de turma desses que estavam brincando) cortou fora parte do dedo.

Como é que essas criaturas conseguem repetir a brincadeira que poderia ter custado o dedo do colega? E pior, no dia seguinte, quando ainda nem sabíamos que o menino não perderia o dedo?Só tivemos certeza que o implante funcionou um bom tempo depois, e essa 'brincadeira' aconteceu um dia depois do dedo do colega ser cortado. Deus é mais. A gente vive tendo 'mini infartos'. kkkkk

Juro que não entendo meus anjos...

Meus bebês...

Se vc já lecionou para 5ª série (ou 6º ano) sabe do que vou falar... De crianças. Daquelas que ainda 'ficam de mal' com vc, mas esquecem no dia seguinte (aí voltamos a 'ficar de bem')... Das que ainda levam bonecas para a sala e dizem que a boneca vai dar cola na hora da prova (pelo sim, pelo não revistei a boneca, vai que tinha 'cola' no vestido ou sapato?)...
Aquelas criaturinhas que, como dizia uma diretora: "parecem periquitinhos de tão agitados, e qdo vc manda um sentar levantam três"... Verdade verdadeira...kkkkkkkk
Mas amo essas criaturinhas... São absurdamente honestas. E ainda conseguimos ensinar algo, que não apenas conteúdo...
Esse ano (2013) estou com essas turmas de bebês nas duas escolas. Tem em média 10, 11 anos. Uns amores.
Na escola municipal acho mais interessantes. Vcs acreditam que TOD@S sentam na frente? Ficam com as carteiras amontoadas bem perto do quadro. E olha que a sala é um forno. Tem um ventilador na frente (acima do quadro) e outro no fundo da sala (para ninguém, já que a sala é espaçosa e meus bebês sentam na frente)...
Aí um dia um dos meninos pediu que EU mandasse alguns colegas para o fundo da sala pq estava muito quente (e com todo mundo juntinho ficava mais quente ainda)... Respondi na hora que "nem pensar. Por mim fica todo mundo aqui na frente. Sei que está calor mas EU nunca vou mandar aluno para o fundo da sala." Disse isso pensando: "daqui a algum tempo muit@s vão descobrir o caminho do fundo da sala sozinhos, para que apressar isso?"


Nessa mesma escola tenho outra sala de crianças, mas não tão bebês. Já tem os que sentam 'naturalmente' no fundo da sala de aula. Mas ainda me chamam de 'tia'. Eu sei, vão dizer que é errado aceitar essa denominação. Mas sabe, eu sempre chamei minhas Professoras do primário de 'tia'. Mas não confundi esse 'tia' com um 'aparentamento' que não existia. O 'tia', para mim, era apenas uma forma carinhosa de chamar minhas professoras. E continuei as chamando assim, mesmo depois de formada.
Bem, mas esses alunos e alunas são interessantes. Pegam rápido o assunto e discutem. O problema dessa turma é , na realidade a sala de aula, a sucursal do inferno: JURO!!! Um calor 'delicioso' e se a aula for depois do recreio vem com 'brinde', um odor que deixa qq um tonto.
Ainda penso que o recreio deveria ser abolido, e nós poderíamos amarrar essas criaturinhas para não correrem... Depois do recreio o cheiro da sala é fenomenal... Desconcentra qq criatura.

Mas essa turma me surpreendeu. Uma tarde, perto da hora de terminar a aula (o penúltimo horário do dia), alguns alunos e alunas chegaram para mim e disseram que não iriam mais assistir nenhuma aula. Que não estava certo ficarem naquela sala tão quente. Que era 'desumano'. Ponderei que eles estavam certos, mas que nós professores e professoras  tbém sofríamos com o calor da sala. Aí vem 'aquele' aluninho (dá gosto!!) que diz: "não é a mesma coisa não professora, a senhora fica na sala apenas um horário, nós passamos a tarde toda aqui!". Como discutir? E a maior parte deles saiu realmente da sala no último horário... Tão lindos!!

Essa atitude nos forçou a tomar uma atitude: paramos a escola por alguns dias para tentarmos conseguir junto à Secretaria de Educação mais ventiladores (o dessa sala - que era apenas um - quebrou).

Amei essas criaturinhas... Deram um banho em nós professores tão comprometidos e politizados...


E a escola foi reformada... 

 A escola vivia alagando, qualquer chuvinha era “O desespero”.  A gente tinha que tirar as crianças da escola e sair correndo. Porque a água entrava rapidinho...

Aí, depois de MUITA briga, idas ao Ministério Público, etc, etc... Anunciaram a reforma. E nós pensamos que teríamos um pouco de sossego. Não ficaríamos mais na expectativa das chuvas. Bem isso realmente aconteceu. Pelo menos isso. Só não sabíamos que os novos problemas nos fariam ter saudades das inundações.
Bem, nos colocaram em um prédio provisório, bem longe do bairro onde a escola original estava sendo demolida para poder ser reconstruída. Essa escola tinha 3 andares (térreo e outros dois). Alunas e alunos iam de ônibus que a prefeitura pagava. Pela tarde eram 8 ônibus para levar os anjos. E foram nesses ônibus que as coisas aconteceram.
Alguns alunos aprontavam no trajeto de ida/volta da escola. Jogavam pedras nas pessoas que estavam na rua, rasgavam os bancos dos ônibus, .... Realmente as criaturas eram criativas.
A direção não conseguia fazer muita coisa: os motoristas não sabiam qual dos alunos estava aprontando, e os outros alunos não denunciavam o colega. Aí as empresas começaram a não querer transportar os anjos. No final, não havia empresa que quisesse transportar esses alunos. Lembrando que eram 8 ônibus, e diretores só eram 4. Não dava para ter pessoas da coordenação em todos os ônibus.

Nunca fiquei tão aliviada. Voltamos para a escola (que já tinha sido reformada). E lá as coisas ficaram BEM mais calmos.


Umas 'coisinhas' que aconteceram nesse prédio...

- Acho que os meninos não tinham uma gota de juízo. Um belo dia, a professora de Educação Física estava se dirigindo para uma sala de aula, passando pelo pátio,  qdo olhou para cima e viu que tres alunos estavam segurando  um quarto menino ameaçando  jogá-lo (do primeiro andar!!). A professora gritou e eles largaram o colega no chão. Imagine a desgraça que poderia ter acontecido se os anjos tivessem jogado o colega no meio do patio de um andar acima...

- Outra 'gracinha' aconteceu pq as criaturas não obedeciam. Vivíamos dizendo para tomar cuidado com um palco que tinha em frente ao pátio. Eles nos ouviam? De jeito nenhum. Aí, um 'abençoado' caiu de mau jeito no chão. Ficamos apreensivas e chamamos o SAMU. Demoraram horas para chegar, e os outros meninos já tinham saído da escola.

Ficamos só nós (alguns professores, direção e o padrasto do menino). O Samu chegou, imobilizou o menino e levou. Ainda bem que não foi nada demais.

Coisas inusitadas...

Eu sei que escola de ensino fundamental, na qual existem dezenas de crianças e adolescentes não é um ambiente calmo. Mas precisava ser tão 'animado'?

Como falei acima, um aluno chegou a morder a orelha de um colega durante um jogo de volei. No recreio. Tinha momentos que eu achava que a gente devia proibir o recreio, essas criaturinhas faziam de tudo qdo estavam soltas...

Não dava para ter sossego: um dia é a menina que caiu e teve fratura no crânio, outro o menino arranca um pedaço da orelha do colega. E chegam correndo para nós professoras darmos jeito. No caso da orelha chegaram trazendo o pedaço ensanguentado para mostrar.  

Se vc pensa em ser professor vá se acostumando com essas coisas. Sangue, machucado e pedacinhos do corpo aparecem de vez em qdo na sala de aula. É uma verdadeira aula de anatomia...

Já vi aluna enfiando o lápis na mão da outra (uma coisa horrível). Brigas com puxões de cabelo, queda que fez a vagina da menina sangrar (precisou levar ponto na Urgência). Essa foi interessante, e aconteceu qdo? No recreio. Vou contar.

Estávamos conversando na sala dos professores qdo o diretor chegou esbaforido, precisava de uma professora para ajudá-lo, e eu, com mania de me apresentar para qq serviço (de preferência os que não pagam) fui. Lá entendi o que aconteceu. A menina estava em cima de uma cadeira, para falar com alguém pela janela. Sabe-se lá como, ela caiu em cima do encosto da cadeira (com as pernas abertas). Bateu a vagina no encosto da cadeira.  Ela gritou de dor e os colegas chamaram o diretor. Ele levou ela para a direção e viu que a calça dela estava com sangue. Ligou para o SAMU e foi orientado a fazer pressão com um pano limpo na vagina da menina. Aí entro eu. O diretor disse que não teria problema em fazer o procedimento indicado pela atendente do SAMU, mas os pais podiam achar ruim e ele pediu ajuda a uma professora. No caso, eu.

Fui lá, tirei a calça jeans da menina e pressionei com uma toalhinha. Fiquei segurando um bom tempo, até diminuir o sangramento. A tia da menina chegou na escola e ficou com ela. Qdo o SAMU chegou a enfermeira olhou disse que ia ter que levar ponto. Foram para um Hospital para dar ponto na vagina da menina, que cortou com a queda.

Alguém já se imaginou nessa situação? Só acontece comigo....