Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

A segunda escola


Entrando na segunda escola

Saindo da primeira escola, na qual aprendi MUITO, fui lotada em outra escola. Estou nessa segunda escola até hj...
Cabe aqui uma explicação: essas primeiras escolas são estaduais, as outras duas, que entrei muito tempo depois são municipais.

Assim que cheguei na nova escola fui conhecendo os colegas. Tão diferente da antiga... Não vi professores e professoras interessados nos alunos. Procuravam fazer bem aquilo que acreditavam ser seu trabalho: passar o conteúdo, mas não procuravam entender os processos de aprendizagem dos alunos, nem faziam atividades que os alunos pesquisassem e assim, aprendessem...

Foi assim que deixei de organizar Feiras de Ciências. Na escola antiga as Feiras não eram momento de competição e sim de alegria. Os alunos e alunas ficavam orgulhosos ao mostrar para colegas e pessoas do bairro o que aprenderam. eles eram os protagonistas, eles sabiam que faziam os trabalhos. Bons ou ruins eram eles.

Nessa nova escola a professora que organizou a Feira (só vi umas duas nessa escola, depois deixaram de fazer) trabalhava com premiação/competição. O que eu vi foram alunos pagando para alguém fazer maquete, procuraram material pronto.  Achei pouco o aprendizado, a pesquisa. Aí fiquei sem querer participar.

Não me sentia à vontade nesse ambiente. Me incomodava ter que justificar minha ida à sala de aula para lecionar (no horário de aula), pq alguns colegas (mais antigos) reclamavam dessa mania de sair logo da sala dos professores. Para mim era tudo muito estranho...

Fiquei alguns anos nesse turno, me sentindo mal. Mas aí apareceram colegas como eu, que gostavam de coisas diferentes. Mas o grupo dos professores antigos era 'duro na queda'. Difícil fazer algo diferente. Aí surgiu um curso de especialização na UFS. Em Ensino de Ciências. Fiquei interessada, mas eles exigiam que o candidato fosse professor de Ensino Médio. façei com a diretora e ela me disse que a professora de Biologia do turno noturno estava doente, e que muito provavelmente não voltaria para a escola. Peguei a vaga. Eram poucas aulas, mas o suficiente para ter a declaração que eu ensinava no Ensino Médio.Comecei a lecionar alguns dias no turno noturno (completava a carga horária no turno diurno) e tinha as aulas da especialização nos finais de semana.

Conheci novas colegas com as quais comecei a trabalhar. Mas ainda de forma bem suave, pq só ia dar aula à noite dois dias na semana.
Qdo o número de turmas de Biologia aumentou, fiquei lecionando só à noite. Aí me achei novamente. Uma outra maluquinha, a Professora de Português (Isabel) gostava de 'invenções' (gosta até hj). Começamos uma parceria que deu super certo. Eu imaginava as atividades e ela, muito organizada, ia dizendo tudo que precisaríamos para realizar. Em outros momentos ela imaginava o trabalho, sentava comigo e nós 'viajávamos' na organização da atividade.
Fomos à cinema, organizamos Gincanas, Mostras, Feira das nações... Tantas coisas...

Essa Professora, embora esteja em sala de aula a  20 anos, leva para suas turmas tudo que pode de diferente: vídeos, textos, palavras cruzadas, ... Aprendi muito com ela, e aprendo até hj. Vou contar aos poucos, aqui, o que nós fizemos.

Nos conhecemos a 10 anos, trabalhamos juntas nas duas escola e ela é uma amiga muito querida.

Outr@s parceir@s surgiram com o tempo e o turno noturno não tem nada de parado. A cada atividade, com as pesquisas dos alunos e alunas vou aprendendo mais sobre outras coisas.

O bom dessas atividades, que são apresentadas para todos os alunos e professores, é que todos aprendemos. E quem pesquisa são os alunos. Eles acabam por nos ensinar.

E eu amo aprender....


Fui ver o que era o barulho e ...

A algum tempo atrás cada professor/a aplicava sua prova no seu horário de aula. Assim eu podia estar aplicando prova na minha turma e meu colega da turma ao lado dando aula. 

Era isso que estava acontecendo nesse dia, no turno noturno. Já havia entregue provas, passei a lista de frequencia...Os meninos e meninas calminhos, caladinhos, fazendo a prova. Tudo normal.

Aí ouço um barulho enorme na sala ao lado. Fui para a porta olhar. Fiquei preocupada pq alguns meses antes um ventilador de teto caiu na mesa do professor. Não machucou ninguém pq não tinha professor na sala, mas se tivesse poderia ter sido muito feio.

 O barulho da sala vizinha foi forte, corri para ver e, para minha surpresa vi duas meninas (na realidade duas mulheres adultas) se 'engalfinhando'. Estavam se agarrando pelos cabelos e derrubando carteiras por onde passavam (por isso o barulho). A professora, coitada, tinha chegado naquele dia e estava parada, sem ação. 

Não conversei: entrei na sala, agarrei as duas briguentas, chamei os colegas para me ajudarem a soltar as mãos delas uma do cabelo da outra. Funcionou. Alguns rapazes fortes da turma entraram no bolo (eu já tava no meio tentando desapartar) e disseram para mim tomar cuidado "a senhora pode tomar um tapa". Elas que se atrevessem...

Com a ajuda dos rapazes soltei as duas briguentas e perguntei o motivo da briga. Por causa de um livro de Biologia (justo Biologia?). Uma disse que comprou da outra, a outra disse que a primeira não pagou...

Achei melhor levar as duas para a direção. Saí da sala dando 'aquela bronca' nas duas: "umas mulheres adultas, brigando daquele jeito na sala de aula, não tinham vergonha?" As duas foram comigo de cabeça baixa. Eram boas alunas, mas andavam se 'estranhando' já a algum tempo.

Mulheres adultas, com filhos adolescentes. Brigando como duas meninas, por causa de um livro...

Deixei elas na sala da direção, aí lembrei... a minha turma estava fazendo prova!!

Agora era tarde, eles tinham ficado mais de 15 minutos sozinhos na sala. Ninguém tomando conta.

Nem corri para a sala. Subi as escadas que dão para as salas tranquilamente. Cheguei na sala e disse que eu saí para apartar a briga da outra turma, que a pobre da Professora recém chegada devia estar assustada. 

Disse que sabia que alguns (eu acho que quase todos) alunos colaram, mas que não ia cancelar a prova. E liberei o uso do caderno. Quem quisesse poderia consultar o caderno. 

Engraçado é que não fez muita diferença os meninos terem consultado o caderno. As notas foram parecidas com as dos meses anteriores.

Sobre as alunas da briga. Levaram suspensão. e não voltaram mais. Acho que com vergonha dos colegas.




Tudo isso é culpa desses professores...


A gente sabe que trabalho de direção que é comprometida com a escola não é fácil. Tem que ir com muito jeitinho para convencer as pessoas que elas PRECISAM trabalhar , que recebem para desempenhar determinada função. Isso entre outras coisinhas. Alguém já foi na sala da direção em horário de aula (pelo dia)? Se não foi não sabe o que está perdendo. Acho que nem nas delegacias mais movimentadas existem tantos problemas a serem resolvidos: é briga, reclamação, confusão de todo tipo. Uma 'benção'. Não sei como elas aguentam...


Mas nas férias eu sempre pensei que a direção tivesse uma 'folguinha'. Que nada. 
Era o mês de Janeiro, férias. E eu estava passando em frente a uma das escolas na qual leciono qdo resolvi entrar. Pegar meu contra cheque. 
Logo de cara vejo uma radio patrulha. Com as luzes ligadas e tudo. Pensei logo que a escola deveria ter sido roubada. E já estava entrando preocupada. Sabia que compraram um datashow (para minha alegria) e se fosse roubo, eu poderia nem ter o 'gostinho' de dar aulas com power point. 
Chego na secretaria e ouço vozes alteradas na sala da direção. A diretora só dizia (sei lá para quem) que não ia chamar a professora, que ela fez tudo certinho e não havia motivos para tirá-la das férias.As pessoas insistiam e ela dizia 'Não'!


Perguntei à uma funcionária da escola e ela me disse que toda a confusão (inclusive a radio patrulha) era coisa de uma mãe que estava furiosa pq o filho reprovou.


Aí resolvi esperar. Mas comecei a entender pq a diretora dizia que não chamaria a professora, pq a mãe deveria estar insistindo para o filho ter uma segunda chance.


Depois de uma meia hora saem da sala da direção dois policiais, um menino, a mãe dele e a avó (fiquei sabendo depois).


Elas estavam furiosas, mas foram embora.


Aí a diretora sentou na sala dos professores e me contou o que aconteceu.  A mãe do referido menino apareceu furiosa na escola qdo soube que ele reprovou. O menino disse em casa que havia sido aprovado. Mas estava reprovado. E a mãe disse que segundo o menino a professora garantiu que ele estava aprovado. Queria a todo custo que a diretora falasse com a professora para saber pq a ela teria dito que o menino estava aprovado. A diretora disse que se ela (mãe) quisesse poderia requerer uma revisão de prova, mas que o diário estava fechado, a prova de recuperação do menino na pasta com a nota que estava no diário. Não havia nada de irregular, portanto ela (diretora) não poderia chamar a professora.


Não sei como a mãe do menino chamou a polícia. Os policiais foram falar com a diretora e depois que entenderam o que estava acontecendo tentaram mediar a discussão. Pediram inclusive que a diretora ligasse para a professora. A diretora foi irredutível: não chamaria a professora, pq não havia nenhuma irregularidade.


Depois de muito tempo, qdo viram que a diretora não cederia, todos saíram.


Aí a diretora me contou a história e terminou dizendo: "Tá vendo, eu passo por tudo isso por culpa desses professores que gostam de reprovar. Vou baixar uma lei proibindo os professores daqui de reprovarem qq aluno." kkkkkkkkkkkkk


Ela disse eu eu caí na gargalhada. Ela tbém. Mas que aperreio a pobre passou. Ela me disse que qdo viu os policiais entrando pensou: "Agora vou sair daqui presa." Mas disse que não cedia.


Tenho profunda admiração por pessoas como essa diretora, que não cedem frente a ameaças. Que fazem o que sabem ser o certo. Exemplo a ser seguido.  



Dançando

Nas aulas do noturno, nós professores temos um grande 'concorrente': o sono. Moças e rapazes trabalham o dia todo e chegam á escola cansados, com fome e ainda enfrentam 4 horas de aula. É um 'massacre'. A gente precisa então inventar atividades que deixem a escola mais animada.

Já inventei feira, arrumação de guarda-roupa, brincadeiras, tudo para deixar a aula mais 'animada', senão eles dormem, pode ter certeza. E eu deixo. Lembro de Drummond: "O professor disserta sobre ponto difícil do programa. Um aluno dorme, cansado das canseiras desta vida. O professor vai sacudi-lo? Vai repreendê-lo? Não... O professor baixa a voz, com medo de acordá-lo!..."

Como esses meninos e meninas conseguem ficar na aula? Isso é desumano. E mais desumano é que eles e elas vão trabalhar mais tempo, pq começam mais cedo, novos, com 18, 20 anos. E só podem se aposentar com 60 anos. Mais de 40 anos trabalhando em empresas que sugam o sangue.

Bom, mas eu estou escrevendo para contar das 'invenções coletivas'. Quando as professoras maluquinhas se juntam e resolvem fazer trabalhos que englobam diversas disciplinas. Aí tem até apresentação com música. Já usamos a música como fio condutor de pesquisas. Cada música representando uma década. eles faziam uma apresentação de uma música para cada década (na década de 60 cantamos "Porque não falei das flores" e fizemos uma 'passeata'). Além disso tinham que montar um stand com aspectos de cada década (cada turma ficou com uma década): política, descobertas científicas, música, roupa, etc. Ficou bem legal.

Até aí alunos e alunas dançavam músicas de outras décadas (ou faziam um esquete sobre a música). Funcionava e eles aprendiam. Além de nos divertirmos bastante.

Mas ano passado a professora de português, minha amiga, resolveu que ela ia dizer que músicas seriam apresentadas na finalização do projeto "profissões". O projeto foi desenvolvido ao longo do ano, trouxemos palestrantes de diversas áreas para falar da profissão deles. E no final os alunos se encarregaram de montar stands com algumas profissões. para não ficar 'parado', minha amiga resolveu dar músicas para os alunos se apresentarem (fazendo coreografia, coral, qq coisa): eram 3 apresentação: uma para cada série. Mas para um dos grupos a música escolhida era infantil. Imaginem que meus alunos ficaram dizendo que era 'um mico'. Outra professora de português dizia: 'com mico ou sem mico vocês se apresentam, todo mundo vai 'pagar mico', vocês também'. E eles se apresentaram. Reclamaram mas ficou bem legal...Olhem as fotos abaixo...



























O grupo que dançou a música infantil disse que nessa escola, para ganhar um pontinho, aluno rebolava mesmo... kkkkkkk




Eles são adultos, mas ... são alunos.


Sempre vi meus alunos da noite como adultos. Que estão na escola por que querem e sabem lidar com problemas do cotidiano melhor que os adolescentes do turno diurno.

E talvez continuasse pensando assim não fosse um 'acidente' que quase terminou em morte.

Estava colocando um vídeo para meus alunos na sala de informática (que fica localizada no térreo da escola) quando ouvi um barulho. Gritos, correria... O que estaria acontecendo no andar de cima? Nessa escola existem salas no térreo e no andar superior. Como estamos com poucas turmas no noturno, só utilizamos as salas de cima. Nesse dia, pedi a minha colega que dissesse aos alunos para descerem, pois a aula de Biologia seria na sala de informática.

Por isso estava no térreo, e meus alunos deveriam estar descendo.

Quando ouvi o barulho saí da sala de informática e fui ver o que estava acontecendo. Me contaram que um aluno (um homem grande) quase atira o colega do andar de cima para baixo... Um perigo. Quando as professoras viram o que estava acontecendo gritaram e os colegas seguraram o rapaz.

A direção interveio, conversou com os dois e eles voltaram para a sala. Como disse a diretora, foi um momento,  e os dois reconheceram que erraram.

Fui conversar com o menino grande (ele é um menino grande, só tem tamanho) que quase derrubou o colega do primeiro andar. Queria entender o que havia acontecido para deixá-lo tão transtornado a ponto  de quase matar o colega. Aquele homem enorme, deitou a cabeça no meu ombro e chorou. Estava horrorizado com seu descontrole e repetia "Professora eu quase matei ele!!". Acalmei o menino  grande e pedi que me explicasse o motivo da briga. E ouvi algo que não imaginava acontecer entre os alunos do noturno. Era efeito de bullying. Sofrido por anos. O menino grande me disse "professora, a senhora não via que quase toda vez que ele passava perto de mim dava um tapinha na minha nuca?". É eu via, mas não prestava atenção. na minha cabeça, eles eram adultos e podiam resolver esse tipo de coisa. Esqueci que mesmo adultos eles são alunos e que cabia a mim questionar as agressões que o aluno grande sofria.

Depois de anos sendo agredido pelo colega, um dia ele explodiu. E quase acontece um desastre. Por que nós professores não soubemos ver...E intervir na situação que era uma violência cotidiana ao aluno grande.

Ainda bem que nada de mais sério aconteceu. Eu aprendi a lição. TODOS são alunos, sejam crianças, adolescentes ou adultos. TODOS devem ser igualmente protegidos.

O trabalho sobre o bullying começou. E espero poder deixar claro como essas 'brincadeiras' podem machucar os colegas.



Cala a boca e senta, AGORA...


Quem me conhece sabe que não sou nada democrática. Pelo menos não em dia de prova. Durante as aulas deixo os alunos falarem, perguntarem. tem liberdade para perguntar qq coisa. Mas, qdo o assunto é teste, não tem conversa: quero os alunos sentadinhos, só com lápis, borracha e caneta em cima da mesa (aviso que nem Bíblia pode ficar em cima da mesa), caladinhos (rezem 'pra dentro'), sem ficar se mexendo (se isso acontecer mudo de lugar). Colar pode? (perguntinha besta que eles fazem sempre). Pode, contanto que não reclamem qdo eu tomar o teste e der zero. Ah, sim, escrevo ZERO por extenso na prova. Para evitar que coloquem um '1' na frente e me dêem dor de cabeça.

Dou estes avisos sempre antes de cada prova. Lembro que prova é escrita à caneta, que lápis não vale. Mas libero a cor da caneta, pode ser qq cor, menos branca, prateada ou dourada.

Quando comecei a dar aulas nós professores marcávamos nossas provas. Não tinha nada de semana de teste. Sabíamos que ao final do semestre precisaríamos ter 4 notas (uma loucura, prova todo final de mês). Depois surgiu a 'semana de prova'. Nessa semana os professores aplicavam as provas uns dos outros. No dia das provas de Biologia, por exemplo, eu e todos os meus colegas íamos para as turmas aplicar provas de Biologia. O professor de Física, a de Inglês, a de Português, o de Geografia, ... todos aplicando as provas de Biologia, cada um em uma turma. Achei boa a ideia, mas depois de um tempo vi que alguns colegas não tomavam conta direito das minhas turmas. Era uma cola solta. Falo disso depois.

Bem, o fato que vou contar aconteceu numa dessas 'semana de provas'.  No turno noturno. Cheguei para aplicar provas. Me deram uma turma de primeiro ano. Minha turma. Fui aplicar a prova de Química.
Entrei na sala e estava aquela confusão. Um aluno do qual eu não lembrava ter visto em sala ainda, estava dizendo que não faria a prova, que o professor não tinha dado o assunto, etc, etc... Perguntei ao aluno de que turma ele era. Ele me confirmou que daquela mesma. Eu disse que não lembrava dele, perguntei se ele frequentava as aulas. Ele disse que sim, que frequentava as aulas.

Já desconfiada da mentira, perguntei de que disciplina eu era professora. Tinha certeza que ele não frequentava as minhas aulas (Biologia só tem duas aulas, as duas, nessa turma, eram dia de sexta) nem as de Química, que tbém eram na sexta.
A criatura engasgou, olhou para os colegas pedindo ajuda ( e eu avisei: NINGUÉM responde), e não conseguiu me responder. Aí eu disse que sabia pq ele não tinha assunto de Química e nem de Biologia (minha disciplina) pq as duas são na sexta, e ele com certeza não aparecia na escola na sexta (ainda mais sexta á noite).
Disse na hora aos colegas dele que se não quisessem fazer a prova problema deles, mas que eu sabia (e eles tbém) que o professor dava aula. Disse ainda que não dessem ouvidos ao colega que não queria fazer prova, pq ELE não tinha o assunto e só queria levar os outros na conversa.

Qdo viu que os colegas iam fazer a prova, que estavam se acalmando, o aluno começou a querer fazer confusão novamente. Não hesitei, mandei o rapaz sentar e calar a boca. Disse literalmente: "Senta e cala a boca, AGORA!" E não é que ele sentou e ficou quietinho? Um homem enorme, maior que eu, sentou e ficou caladinho como um menino. Nessas horas é que vejo como é importante o professor saber usar a autoridade qdo é necessário.
Se deixasse a coisa 'correr frouxa' não conseguiria aplicar a prova. Mas mostrei que quem mandava naquele espaço , pelo menos naquele momento era eu.

O rapaz, que acalmou depois do meu grito (ah, sim eu mandei ele calar a boca e sentar com um grito, nada pedagógico, mas funciona...), fez a prova e entregou com uma cara amarrada... Mas depois desse dia ele nunca mais faltou às aulas de sexta.




A aluna e a genética

No turno noturno, de vez em quando algum aluno/ aluna some. Passa algumas semanas sem vir para a escola. Como trabalham, muitas vezes as faltas estão relacionadas com o emprego. Final de ano, então as salas ficam vazias. O comércio (onde a maioria dos meus alunos e alunas trabalhava) funcionava até mais tarde. Eu e outros professores sabíamos e tentávamos passar atividades durante o ano para ajudar na última nota.

Mas quando perguntei à turma porque determinada aluna estava faltando, me disseram que ela estava com o marido internado. Ficava o dia trabalhando e à noite ia ficar com o marido. Fiquei penalizada. E preocupada. Olhei as notas da menina, e ela estava quase na média. Mas o que fazer se ela não aparecesse até o dia da prova?

Como não dava para saber se ela apareceria ou não, resolvi esperar. Pedi à turma que avisasse se houvesse alguma mudança no caso.


Na véspera da minha prova, me avisaram que o marido da tal aluna estava em casa. E que ela viria conversar comigo no dia seguinte.

Fiquei pensando o que fazer com ela. Final de ano não é uma época boa de fazer qualquer trabalho. Ainda mais ela tendo que trabalhar, cuidar de casa, marido doente. Achei que ela podia não entregar o trabalho. E aí perderia o ano.

Mas o que fazer se a aluna não assistiu nenhuma aula? E pior, o assunto da prova era Genética, coisa que meus alunos e alunas tem muita dificuldade.

No dia seguinte, quando a aluna veio falar comigo(estava aplicando a prova na turma dela), percebi que seria complicado mandar ela fazer qualquer trabalho. Dava para ver que estava exausta. Então, em um daqueles meus 'impulsos' disse a aluna que ela faria minha prova no dia seguinte. Ela se assustou e disse "Mas como, professora? Eu nem sei qual é o assunto."
Disse que eu iria ensinar a ela enquanto a turma dela estivesse fazendo prova. Ela estava apavorada, dizendo que não conseguiria. Tentei tranquilizá-la e disse que eu queria que ela tentasse. Que se não conseguisse tirar nota suficiente eu resolveria. Imaginei que ela poderia tirar alguma nota na prova. Sabia que ela tinha dificuldades, mas acreditava que poderia ter um desempenho razoável.

Então, coloquei ela sentada ao meu lado e fui explicando o assunto. Dando exercícios para ela responder. Depois de um tempo percebi que ela estava mais segura, que tinha aprendido os conceitos básicos e conseguia responder as questões com mais facilidade. A sala estava ficando vazia, e ela disse que precisava ir para casa. Pediu as folhas nas quais eu tinha escrito a explicação e as questões e levou para casa. Não parecia mais assustada. Ela sabia que tinha entendido o assunto. Isso a acalmou.

No dia seguinte ela foi para a turma na qual estava aplicando prova e sentou bem na frente. Dei a prova e expliquei para a turma que das cinco questões da prova poderiam fazer apenas quatro. Que valeria dez do mesmo jeito. 

A menina começou  a fazer a prova bem concentrada e depois de um tempo me perguntou se poderia fazer as cinco questões. Fiquei surpresa e feliz. Disse que sim, que ela podia fazer todas as questões. Que eu corrigiria e consideraria as que tivesse maior nota. Pouco depois ela terminou a prova e me entregou com um sorriso dizendo que sabia que tinha feito uma boa prova.

 Eu e ela estávamos felizes. Independente da nota da prova, meu objetivo tinha sido alcançado. Ela aprendeu genética!

Quando cheguei em casa fui logo pegando a prova dela para corrigir. A cada questão fiquei mais feliz. No final, com todas as questões respondidas corretamente, coloquei "DEZ!!!" na parte de cima da prova. Acho que nunca dei uma nota dez tão feliz. Sabia das dificuldades daquela menina, cansada de jornada imensa: trabalho, hospital,... Mas acreditava que ela conseguiria se sair bem. E não me enganei. 

No dia da entrega da prova deixei a dela por último. Afinal a prova era diferente das dos colegas. Quando ela viu o 'dez' ficou muito feliz. E pediu licença para falar aos colegas. Deixei. Ela disse: "Eu sempre me achei burra. Por isso colava. E ficava na média com muito sacrifício. Mas na única prova que eu não colei, que fiz com o que aprendi, tirei 'dez'. Descobri agora, na última prova do ensino médio, que não sou burra." 

Juro que quase chorei. Mas me recompus e disse à turma que provavelmente muitos deveriam ter me considerado uma pessoa muito má por obrigar a colega deles/as a fazer a prova. Mas que eu nunca quis prejudicá-la. Só tinha receio que ela não conseguisse fazer um trabalho. Acreditava que ela poderia tirar uma nota razoável fazendo a prova. Mas que se não funcionasse eu faria alguma atividade para completar o que faltasse.

Só que ela foi bem melhor do que qualquer expectativa que eu tivesse. A prova dela não tinha nada errado, ou com alguma ponto que precisasse correção. Ela aprendeu o conteúdo de um mês em algumas horas. 

Disse que isso mostrava que sempre devemos aceitar desafios. Que não deveríamos desistir sem pelo menos tentar. Vai que tentando você tira um dez?