Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

Desculpa Kátia, mas tenho que discordar de você agora.



Escrevi aqui, a algum tempo atrás, que minha amiga Kátia Carmo me disse que precisa “ser um(a) professor(a) muito ruim para 'estragar' as aulas de Biologia. Pq a Biologia tem tudo de bom...” 



Só que depois de ler livros didáticos com conceitos/ informações (inclusive subliminares) erradas; depois de assistir algumas pessoas que tem diploma de biologia e fazem vídeos com imprecisões que eu não aceitaria em meus alunos, fico na dúvida se Kátia está certa. 

Tudo bem, sei que não sou o máximo como professora. Tento dar meu melhor, mas sei que erro. Aqui no blog já admiti diversos momentos nos quais eu fiz bobagem. Mas uma coisa é fazer bobagem, por ter informação errada, incompleta. Outra coisa bem diferente é repassar a informação de modo tal que sirva para justificar o injustificável. 

Vamos começar com coisas mais antigas: os livros didáticos. 

Como é que uma criatura se dispõe a escrever um livro falando da diferença de pensamento entre Darwin e Lamarck, dizendo que o primeiro não acreditava na Herança das características adquiridas? Essa criatura que escreveu o livro sequer se deu ao trabalho de ler “A origem das espécies” de Darwin!!
Pq se tivesse olhado veria que Darwin, no capítulo V, fala claramente que concorda com a ideia de transmissão das características adquiridas. Mas seguindo esses livros didáticos com erros (acredito que pelo menos metade deles tem esse erro), muitos professores (que como eu tiveram pouquíssimas aulas sobre evolução) vão dar informação incorreta aos alunos e alunas. E para piorar, alguns desses livros tem uma forma bem interessante de passar a informação. Ou seja, tem uma abordagem clara para passar informações erradas. Uma verdadeira bomba, como diria uma amiga, a Helen. 

Outra tema que eu acho bem complicado, embora aparentemente seja abordado corretamente, é o do 3 R’s (Reduzir, Reutilizar, Reciclar). Para ser gentil, eu diria que alguns livros tem abordagem, no mínimo, ambígua. Eles informam que o mais importante dos três é a Redução de consumo. Perfeito, é isso mesmo: primeiro Reduzir, depois Reutilizar e por último (só se não der mesmo para Reduzir e Reutilizar) é que devemos pensar em Reciclar. Mas de forma estranha, pelo menos para mim, mesmo dizendo essa escala de importância, os livros escrevem apenas um parágrafo de poucas linhas sobre Redução de consumo e Reutilização. Mas dedicam páginas inteiras exaltando a Reciclagem. 

Aí eu pergunto: a criança depois de ler uma frase que informa ser melhor Reduzir o consumo, um parágrafo sobre Redução e Reutilização, e segue o texto com pelo menos uma página inteira falando da Reciclagem (como fazer, como separar os materiais, cores de lixeira para cada tipo de material, benefícios da Reciclagem para o ambiente, para as pessoas que sobrevivem disso[1]), vai lembrar que é mais importante Reduzir?
Sério que alguém acredita que vamos sequer lembrar que existe algo como “Redução de consumo” depois de sermos bombardeados com informações maravilhosas sobre a Reciclagem? E o que é melhor, se reciclarmos não precisamos mudar hábitos de consumo. Vamos consumir produtos que podem ser reciclados. Podem. Mas sejamos honestos, na maioria das vezes não são. E um livro didático, que deveria ajudar na formação de crianças, faz o papel do capital, insistindo na proposta da Reciclagem, em detrimento do que é realmente mais benéfico para o ambiente, a Redução de consumo. Triste. Não li um único livro de Ciências que reforce a Redução de consumo[2]. Parece até pecado incentivar isso. E do jeito que as coisas vão, não duvido nada que seja proibido, do mesmo jeito que querem proibir a discussão de gênero nas escolas. Povo doido. 

Bem, agora vamos para um terreno que me deixa angustiada: os vídeos na internet. 
Eu até não ligo muito para os terraplanistas, movimento antivacina, coisas assim. São leigos, que acreditam em coisas que querem. E se alguém acredita em quem não tem nenhuma formação na área, é porque quer acreditar. Minha parte eu faço: vou para sala de aula e explico a meus anjos como tudo funciona. E nunca tive problemas com isso. Sempre entenderam a importância da vacinação e que nosso planeta não é plano. 

Mas qdo a criatura que fala uma coisa ruim, daquelas de doer na alma, é graduada em biologia? Aí não dá. Eu fico furiosa. 
Eu sei que ter a informação não tira as ideias pré-concebidas de ninguém. Racistas podem ter toda a informação que o sangue de negros e brancos é igual, que a informação genética é a mesma, mas continuarão racistas. Alguns preferirão morrer a receber o sangue de um negro. Porque acreditam, mesmo contra toda evidência científica, que seu sangue é mais puro. O seu olho mais azul,... 

Vale o mesmo para homofóbicos. Preferem torcer toda a informação para que caiba dentro do seu modo de pensar. Triste isso.
Me lembra um aluno, que em sala disse “para mim, homem que usa rosa é ‘boiola’!” A turma discordou dele em peso (amei isso), argumentaram de diversos ângulos. E o menino resistindo, mantendo o ponto de vista. Não conseguindo contra argumentar com os fatos listados pelo resto da turma (tem muito gay que não usa rosa, tem muito homem hetero usando rosa,...), o menino saiu com o argumento emocional “eu penso assim porque meu pai também pensa assim”. Aí eu entrei e disse que ele tinha direito de seguir as ideias do pai, mas que o pai era de outra geração, com ideias que necessariamente não eram mais bem vistas na atualidade. E que ele era de uma geração mais nova. Que devia pensar bem e ver se esse pensamento era realmente algo que ele acreditava que valia a pena ser mantido, já que não se sustentava por nenhum argumento lógico. 

Bem, mas voltando a pessoa com diploma de biologia: ela diz que o DNA tem toda a informação genética. É verdade, mas esquece que genética não é determinismo. Uma pessoa pode ter a informação genética para crescer até 1,70 m. Mas crescer até 1,60. Porque o gene depende do ambiente. Já vi isso acontecer em gêmeos idênticos, meus alunos. No 6º ano as criaturas eram iguais. Eu não conseguia diferenciar um do outro. Não pelo rosto ou altura. Só percebia a diferença no comportamento. Um era mais agitado, o outro mais calmo. No 8º ano (não lecionei na turma deles no 7º ano) o rosto continuava idêntico. Mas a altura era bem diferente. Pelos menos 10 cm de diferença. Todo mundo sabia diferenciar os meninos. Pq era uma diferença gritante. 

Mas se eles eram gêmeos idênticos (mesma informação genética) por que um cresceu mais que o outro? Porque o ambiente atuou. Ignorar as relações entre genes e ambiente é no mínimo, falta de visão. É não enxergar a vida como ela se apresenta, porque ela não cabe na minha forma de entender o mundo. Mas... 

Outra coisa que essa pessoa com diploma de biologia diz: que a determinação do sexo biológico está no cromossomo sexual Y. Que se uma pessoa tiver cromossomo sexual XX ela será fêmea, se for XY será macho. Ela até comenta sobre o gene SRY, mas não vi uma conclusão sobre ele.
Ela não diz, por exemplo, algo como o que tem  nessa informação científica: “A princípio, acreditava-se que o cromossomo Y fosse necessário e suficiente para a determinação do testículo, mas logo a experiência clínica incumbiu-se de mostrar situações em que, apesar do Y, o testículo não se desenvolvia (mulher XY). Por outro lado, sua ausência não impedia o desenvolvimento testicular (homem XX).” 
(https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302000000300010) 

Ou seja, existem pessoas que mesmo tendo o cromossomo XX, possuem pênis. E agora, qual sexo considerar? Cortar o pênis, por que a pessoa é geneticamente fêmea? 
Depois de falar do SRY, essa pessoa com diploma de biologia discorre sobre ‘mutações’. Fala de Síndrome de Turner, Klinefelter,... E diz que ‘se algo é mutante ele vai nascer biologicamente com defeito’. 
Sério que ela diz isso? Ela sabe que o olho azul é produto de mutação? (https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Biologia/noticia/2015/02/todas-pessoas-com-olhos-azuis-descendem-de-um-unico-ser-humano.html

Pela lógica dessa pessoa com diploma de biologia (se fosse minha aluna do ensino médio tava reprovada!) as pessoas com olhos azuis tem ‘defeito biológico’. Será? 

Outro ponto de discordância (tem muita coisa esquisita que essa pessoa diz sobre aspectos da biologia) é quando ela diz que pessoas hermafroditas não ‘tem filhos’. Mas esse artigo científico (https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302005000100009) diz que é sim, possível que hermafroditas verdadeiros sejam pessoas férteis. 

“Chama a atenção, sob este aspecto, o caso descrito na literatura de uma senhora de 52 anos de idade que, ao ter seu nono filho, foi submetida a histerectomia e salpingo-ooforectomia bilateral devido a um cistadenoma mucinoso no ovário direito. A gônada esquerda foi explorada e, para surpresa da equipe médica, consistia de tecido ovariano e testicular (ovotéstis), configurando um Hermafroditismo Verdadeiro (HV). Há ainda o relato de um caso de HV criado no sexo masculino, com genitália externa normal e fertilidade comprovada.” 

Mesmo que a literatura médica encontre poucos casos de pessoas hermafroditas férteis, isso não quer dizer que não existam em maior quantidade. A senhora que teve 9 filhos só descobriu o hermafroditismo porque precisou fazer uma cirurgia. Se ela não fizesse essa cirurgia, nunca saberíamos que uma mulher que teve nove filhos era hermafrodita. Quantas pessoas podem ter a mesma condição e não terem sido descobertas? 

Acho que dá para perceber como algumas pessoas (graduadas em biologia) estão usando essa ciência: seja passando informações subliminares sobre temas que deveriam ser tratados de forma mais consciente, como no caso dos 3 R’s e diferenças de pensamento evolutivo; seja repassando ideias erradas: se tem cromossomo sexual Y vai ser macho (nem sempre), que mutação é algo necessariamente ruim (não é!), ou que Hermafrodita não tem filhos (tem sim!). 

A biologia já foi muito utilizada para fins execráveis: dar voz e vez ao racismo, ao machismo, à eugenia,... Não precisamos acrescentar tantas abordagens problemáticas à lista de erros que essa ciência já referendou. Acho que está mais do que na hora de falarmos sobre esses erros. Não podemos nos omitir mais, senão corremos o risco de ficarmos mudos. 

Precisamos de mais profissionais éticos. Que se disponham a estudar e repassar, sem erros ou enviesamentos, aquilo que é tido como correto pela biologia atual. Pelo menos se tem a intenção de usar essa biologia como reforço para o que está explicando. 

De que adianta falar dos 3 R’s, dizer que é mais importante Reduzir, e só exemplificar a Reciclagem? Serve a quem esse discurso? Layrargues é bem claro sobre isso. 

Também não deveria ter que explicar a alguém que estudou os princípios biológicos, que a maioria das mutações não causa nenhum efeito no organismo, pode até ser benéfica (https://www.humanasaude.com.br/noticias/4-mutacoes-beneficas-que-estao-ocorrendo-em-humanos-agora-mesmo,43109). 

Ou que apresentar o cromossomo sexual Y não dá certeza que a pessoa vai nascer com pênis. Pode nascer com vagina. E isso não é nenhuma anormalidade. É uma condição do organismo. 

Por fim (é estou terminando!) eu não deveria ter que me preocupar em explicar a meus alunos e alunas que existem pessoas que escrevem/falam sem estudar. Que existem pessoas que não tem vergonha de fazer livros/ vídeos que trazem informações, no mínimo incompletas. Que meus anjos devem ter cuidado e não acreditar em tudo que leem/ouvem. Nem mesmo de pessoas graduadas em biologia. 

Isso é triste, muito triste. Vergonhoso. 

Por isso escrevi sobre essas pessoas que fazem coisas tão feias usando o nome da minha Biologia. 

Sei que não sou ninguém, sou só uma professorinha. Mas tenho obrigação profissional de alertar sobre alguns profissionais que não tem o devido cuidado com o que escrevem ou falam. E, para mim, essas pessoas precisam mudar, estudar, ter mais cuidado com suas palavras. 
Porque como professores biólogos temos responsabilidade com alunos a alunas que nos leem/ escutam. Precisamos pensar muito sobre cada palavra, cada texto. Não podemos nos comportar sem o devido cuidado ético. Sem o cuidado com as pessoas que vão ler/ouvir nossas palavras. Palavras podem ferir. Ofender. Magoar. Imagino como a biologia que referendou o racismo foi objeto de dor para muitas pessoas negras. 

Não me tornei professora para seguir esse caminho de utilitarismo dos poderosos que pretendem uma homogeneização de comportamentos e ideias. Sou professora de biologia para ajudar a mostrar que na diversidade (genética e comportamental) podemos ter resposta a muitos dos nossos problemas. Precisamos enquanto professores e professoras contribuir para tornar o mundo um lugar mais humano, com mais empatia e respeito. 

[1]Quem puder, leia esse texto (http://ambiental.adv.br/ufvjm/ea2012-1reciclagem.pdf) de Philippe Layrargues (O cinismo da reciclagem) no qual ele desvela as falácias que envolvem a incorporação da Reciclagem ao discurso que quer se mostrar ‘ecologicamente correto’ sem abrir mão do consumismo.
[2] Texto de um artigo que apresentei no Epenn com a análise de uma coleção de livros didáticos de Ciências https://1drv.ms/b/s!As7KhXgHzOY7gYov7PmVt-Bo4pkLbQ?e=y27sH3


Lúcia


Lúcia era minha aluna na 8ª série, na primeira escola. Um doce de menina. Linda, calma, meiga. Quieta até demais... Mas não ia ser eu a reclamar de uma aluna por ser calma...
Só que um belo dia Lúcia resolve jogar vôlei com as colegas na quadra, no bendito horário do recreio (devia ser proibido).

O que aconteceu? Lúcia escorregou e caiu de cabeça no chão de cimento da quadra. Chegou na sala dos professores nos braços dos colegas, desmaiada.

Não apenas desmaiada, Lúcia tinha convulsões, tinha momentos que parecia que ia parar de respirar. Saía sangue da cabeça dela. Não havia tempo para pensar nada, ela precisava ser levada ao Hospital o mais rápido possível. 

O diretor pediu ajuda de uma professora (Lúcia era uma mocinha, melhor uma mulher indo junto para ajudar). Quem se apresentou, sem pensar? Um ponto para quem adivinhar... Lógico que fui eu. Falou em trabalho extra, não remunerado e complicado, pode contar comigo...

Saí tão apavorada da escola com o diretor e um aluno (o David, aquele que já falei antes) que nem bolsa levei...
No caminho, que parece durar séculos, a gente só ouvia a respiração de Lúcia. Em alguns momentos tínhamos a impressão que ela ia parar de respirar, e nada de chegar ao hospital.
Ao chegarmos lá, o diretor saiu correndo do carro, pegou Lúcia no colo e entrou Hospital adentro gritando por ajuda. Chegou um médico, que qdo viu o estado da menina encaminhou logo para exames e medicação. O diretor, depois que viu Lúcia acordando (ela foi colocado no soro e depois de um tempo acordou) disse que ia voltar para a escola para achar a família de Lúcia. Eu ficava.

Levaram Lúcia para fazer exames, ela vomitou, eu briguei com a enfermeira que queria fazer o exame enquanto Lúcia queria vomitar... Fizemos os exames, e ela ficou em observação. Qdo o diretor chegou, horas depois, veio com os pais de Lúcia. O médico veio e disse que nossa menina tinha sofrido traumatismo craniano com a queda. que a sorte dela foi ter sangrado. 
Lúcia estava bem, fora medicada e ia ficar uns dias no hospital. Deixamos Lúcia com os pais e voltamos para a escola. Já era mais de 20 horas. 
Eu estava exausta. E nem consegui convencer o diretor que tinha direito a folga no dia seguinte...

Lúcia precisou ficar um bom tempo em tratamento neurológico. 

Tudo pq, como disseram minha alunas: "ela nunca brincou professora, e quem não brinca não sabe cair." 


Pois eu faço na praça!!


Uma pessoa normal geralmente cumpre seu trabalho e não 'inventa' moda. Ou inventa, mas não faz disso um campo de batalha. Como não me considero normal...

Na primeira escola fazíamos Feiras de Ciências todo ano. Mas chegou um diretor novo que não gostava dessas 'invenções'. Para ele aula era apenas alunos(as) e professores(as) na sala. Isso de Feira de Ciências era 'bobagem'. E me disse isso na 'cara dura', qdo fui conversar e explicar que faríamos (como todo ano) uma Feira de Ciências na escola. Ah, não prestou... Eu disse que faria a Feira sim. Ele disse que não abriria a escola no sábado (a Feira passou a ser nos sábados pq percebemos que era mais prático).

Imaginem que essas frases: "Eu vou fazer a Feira sim!" e "Não vou abrir a escola no sábado!" foram pronunciadas quase aos gritos (eu sei que gritei). Eu e o diretor estávamos brigando mesmo (eu furiosa, onde já se viu um diretor não querer que o professor trabalhe?). Aí, eu já de cabeça quente, disse (gritei): "Pois então, faço a Feira na praça!". Na hora pensei "o que foi que eu fiz?" Agora não tinha mais jeito. Tinha que encarar e fazer o que havia prometido...

O diretor ficou vermelho de raiva, espumou, mas teve que engolir. Eu não precisaria dele. E não feliz com isso ainda disse; "E vou assinar essas aulas. Se atreva a não deixar que vou ao Secretário de Educação dizer que o senhor está me impedindo de trabalhar". Eu tava com 'o cão no couro'. kkkkkkkkkkk

Fui para a sala dos professores(as) bufando de raiva. Minhas colegas acharam maluquice (novidade) mas disseram que me apoiariam. E apoiaram. Conversei com os alunos e alunas, nos organizamos para levarem tudo o que fossem precisar de casa.

No dia da Feira, lá estávamos nós na praça. Eu, as colegas e alunos(as). Montamos tudo e a Feira aconteceu. Foi um sucesso. As pessoas que passavam na praça ficavam impressionados com os alunos e alunas mostrando os trabalhos. Cada mesinha (eles levaram de casa para delimitar o trabalho de cada um) estava rodeada de crianças e adultos do bairro querendo que os alunos explicassem seus trabalhos. Os alunos e alunas ficaram muito felizes, estavam se sentindo importantes.

Na escola todos faziam trabalhos e apresentavam para os demais. Lá não. Muitas pessoas estranhas ficaram impressionadas com o que eles mostraram. Foi lindo. A escola subiu de conceito no bairro. Foi uma senhora propaganda...

Tanto que algumas escolas particulares passaram a fazer as Feiras/Exposições na praça. Feira na praça dá visibilidade ao trabalho da escola.

O que podia parecer uma loucura desmedida (eu dizer que faria a Feira na praça) se revelou uma situação muito boa, para alunos(as), professores(as) e para o nome da escola. Usar a farda da escola passou a ser motivo de orgulho para os alunos e alunas, pq eles estavam associados a um trabalho, a alunos que aprendem, que são bons.

Preciso confessar: tive medo, muito medo que algo desse errado.Mas acreditei que podia dar certo. Sendo bem organizado, pensando na maioria dos problemas que poderíamos enfrentar, conseguimos ter êxito.

E repetimos a dose nos anos seguintes... A praça passou a ser o melhor lugar para a Feira. Quem diria que uma frase dita no calor da briga, uma promessa que tinha tudo para não se concretizar se tornasse algo tão positivo...



Gravidez depois de ter tirado as tubas uterinas...


Tudo bem que a primeira escola era movimentada, os alunos uns 'anjos' que botaram até político para correr, mas tem coisas que eu não consigo entender. Mas aconteceram. Juro!

Uma dessas coisas 'diferentes' foi a gravidez de uma professora. Pode não parecer nada anormal, o que tem em uma professora engravidar? Mas essa professora fez uma cirurgia para retirar as tubas uterinas (a antiga ligadura) e segundo a mesma o médico mostrou as tubas para ela. Como então essa criatura engravidou?

Ninguém entendeu nada, nem o médico. A professora, por sua vez estava em choque. Como ela mesma disse todas as gravidezes dela (duas) foram planejadas. Até pq ela tinha problemas cardíacos. Ela disse que usando camisinha e tabelinha não engravidou, mas qdo fez a ligadura engravidou. Vá entender...

Pelo que me lembro o médico achou uma possível explicação. Pelo menos foi a única que apareceu. Essa professora sofreu um acidente de carro alguns meses antes e ficou bem machucada. Para acelerar o processo de regeneração dos tecidos ela tomou um medicamento. O obstetra que fez a cirurgia disse que o remédio pode ter agido nas tubas, regenerando-as. Sim, pq elas estavam lá, direitinho no lugar de origem.

Uma explicação plausível, mas mesmo assim esquisita. O bebê dessa professora nasceu com Síndrome de Down. Precisava de muitos cuidados. Como os filhos mais velhos dessa professora tinham 17 e 18 anos puderam ajudar a tomar conta do irmão qdo nasceu. A filha mais velha ajudou bastante a mãe e o do meio tbém. Alguns anos depois vi esse menino especial: corria e se comportava como uma criança que não tinha Síndrome de Down. A mãe me disse que os estímulos dos irmãos ajudavam o mais novo a ter um desenvolvimento quase normal.

Ah, e ela disse que ia voltar a usar camisinha e tabelinha para evitar filhos. Ela achou mais seguro....

Minha Biologia

Antes do texto sobre a "Minha Biologia" vou explicar por que escrevi essa postagem. Coisas de um amigo, o Rogério Junqueira, ele me pediu que eu escrevesse sobre essa minha visão biológica que ele não conhecia bem. Tanto me atormentou que eu escrevi. Mas não um artigo científico, como ele queria. Mas um textinho para esse blog.

Só que eu esqueci que tinha escrito o texto. Mandei para o Rogério e esqueci mesmo. Aí, conversando com a Ângela Maria Freire sobre um caso de homofobia/ transfobia no qual a dita cuja senhora que profere palavras preconceituosas e absurdamente ofensivas usa a biologia como desculpa, lembrei do textinho. Mandei para a Ângela e ela pediu que eu publicasse logo. Publiquei, mas agora coloquei esse textinho aqui para contar como tudo aconteceu.

bjs amores!



Sou bióloga. Com muito orgulho. Amo a Biologia. Não apenas por defender organismos não humanos. Mas por tudo que dela me fez uma pessoa melhor.

Vejo diversas críticas ao pensamento biológico. Não me identifico com essas críticas. A minha Biologia não é essa que vejo tantos falarem: reducionista, preconceituosa, eugenista. A minha Biologia é bela, ama e defende a diversidade. Procura desmistificar a ideia que seres humanos são superiores aos não humanos. Para a minha Biologia, todos somos tripulantes de um mesmo planeta. 

E nesse planeta, a espécie humana ainda está na infância da compreensão. Seu tão propagado intelecto não consegue fazer com que trabalhemos juntos para o bem de todos. Nós humanos não entendemos que a intrincada teia da vida nos faz codependentes uns dos outros. Dependemos de outros da nossa espécie para sobreviver, mas também dependemos de outros organismos para que nossa existência seja possível. Precisamos no mínimo que plantas façam fotossíntese e nos deem o alimento que produziram. Sim, amores, nós não produzimos alimentos. Nos cultivamos. Sem sol, sem seres fotossintetizantes, não teríamos como cultivar nenhum alimento. Nem teríamos oxigênio que é tão necessário à nossa vida. E nós nos achamos a espécie mais importante do planeta. Ledo engano. 

Minha Biologia diz isso. Que nós além de não sermos o máximo, como gostamos de pensar, ainda agimos de forma muito imprudente. Fazemos coisas que podem extinguir a vida no planeta. Bombas nucleares, poluição, matança de outros organismos por puro prazer. Onde está a inteligência em fazer tais coisas? Onde nos mostramos superiores à uma gorila que mesmo presa dentro de uma jaula em um zoológico, salva uma criança? Frans de Wall, primatólogo, descreve no livro “Eu, primata”, algumas situações como a que citei a pouco na qual primatas não humanos demonstram empatia. Como Wall diz “Devíamos ficar felizes com a possibilidade de a empatia ser parte da nossa herança primata, mas não temos o hábito de aceitar de bom grado nossa natureza. Quando pessoas cometem genocídio, nós as chamamos de ‘animais’. Mas quando fazem caridade nós as elogiamos por serem ‘humanas’.” (Wall, 2007, p. 13). E a gorila que salvou uma criança (filhote da espécie que a aprisionou em uma jaula), deve ser considerada ‘humana’? 

Minha Biologia acredita que assim como a gorila que demonstrou empatia por um ser de outra espécie, nós humanos também devemos ter empatia por todos, e não apenas pelos nossos semelhantes. Para minha Biologia não humanos também têm direito a existência digna. Zoológicos não deveriam existir. Não deveria ser aceitável que enjaulemos outras espécies apenas para nossa diversão. 

Somos uma espécie que ainda comete muitos erros. Um deles é acreditar, a despeito do que minha Biologia diz, que o ideal é termos uma homogeneidade de pensamentos e características. 

Para minha Biologia, a diversidade é o ideal. Sabemos que quanto mais diverso for nosso genoma, maiores as possibilidades de sobrevivência a mudanças. Se formos mais parecidos e ocorrer algum desastre natural (como uma pandemia) a tendência é entrarmos em extinção. Porque provavelmente as pequenas diferenças que apresentarmos não nos conferirá imunidade. Se somos muito parecidos, a doença que afeta um, afetará todos. Por isso a clonagem de um rebanho, por exemplo, é perigosa. Clonar a melhor vaca leiteira, aparentemente é ótimo. Vamos ter um rebanho inteiro de vacas semelhantes que produzem muito leite. Até que uma dessas vacas adoeça. Como são bem semelhantes, todas adoecem. A semelhança, ou homogeneidade não é algo que seja bem vista pela minha Biologia.

Como disse acima, minha Biologia não gosta da homogeneidade. Se para a sobrevivência, a variedade é essencial, por que alguns humanos procuram tanto a homogeneidade? Acho que não aprenderam nada com a minha biologia.

Diversidade genética, diversidade de cores, de paisagens, de seres vivos, de formas de amar. Se, como diz minha biologia, a diversidade é a chave para nos mantermos vivos, por que ainda tentamos normatizar comportamentos e formas de amar? Talvez porque nossa espécie gosta de controlar e julgar. Controlar corpos e mentes. Controlar afetos. E uma das formas de controlar é exercer o julgamento daqueles que se desviam da norma. Triste e pobre espécie humana. Porque não aprendemos com nossos primos bonobos? Minha Biologia mostra como essa espécie de primata lucra com o amor. Sexo é uma atividade frequente, independente da reprodução. Mas o ato sexual não ocorre apenas entre indivíduos de sexos diferentes (macho/fêmea). Bonobos fazem sexo com tudo e todos. Machos entre si, fêmeas e machos, fêmeas com fêmeas. A ato sexual, é uma forma de aliviar tensões, acabar com brigas, manter a paz. Obrigada por me ensinar sobre os bonobos, minha Biologia!!

Minha Biologia também me apresentou a alguns primatas que conseguem ser bem cruéis. Refinadamente cruéis. Frans de Wall descreve esse comportamento: “Como meninos que atiram pedras nos patos da lagoa, os grandes primatas às vezes infligem dor para divertir-se. Em uma brincadeira, chimpanzés jovens de laboratório atraíam galinhas com migalhas para perto de uma cerca. Toda vez que as crédulas galinhas se aproximavam, os chimpanzés batiam nelas com um pau ou as espetavam com um arame afiado. Esse ‘jogo de Tântalo’, do qual as galinhas eram estúpidas o bastante para participar [...] foi inventado pelos chimpanzés para espantar o tédio. Refinaram-no a ponto de um deles só jogar a isca e o outro bater.” (Wall, 2007, p.15).

Minha Biologia revela nosso parentesco com os demais primatas até em momentos como esse: jovens que procuram formas de crueldade para ‘espantar o tédio’. Quantas vezes já ouvi casos de jovens humanos que faziam algo perverso apenas como diversão? Um exemplo é o caso do índio Galdino, que teve o corpo queimado e veio a falecer porque jovens atearam fogo no mesmo “por divertimento”.

Podemos dizer que nossa espécie difere muito dos chimpanzés que maltratam as galinhas no quesito ‘crueldade’? Quantos exemplos de atitudes brutais nossa espécie coleciona? Genocídio, guerras, estupros estão entre nossas ‘perolas de crueldade’. Todos já ouvimos falar dos campos de concentração nazistas. Mas nosso dia a dia também está recheado de momentos de crueldade extrema: pais/ mães/ responsáveis que abusam sexualmente das crianças que deveriam proteger; homens e mulheres que matam por prazer; que tem quase um gozo quando percebem que o outro está sofrendo graças a alguma atitude sua. 

Minha Biologia mostra que não diferimos tanto assim dos nossos primos não humanos. Como diz Wall (2007, p. 16): “Somos capazes de tamanha selvageria apesar de nossa faculdade de imaginar o que os outros sentem, ou talvez precisamente porque a possuímos. Por outro lado, quando essa mesma faculdade combina-se com uma atitude positiva, impele-nos a mandar alimentos para os famintos, fazer corajosos esforços para salvar estranhos, como nos terremotos e incêndios, chorar quando ouvimos uma história triste ou participar de um grupo de busca se desaparece o filho de um vizinho. Com um lado cruel e um lado compassivo, é como se olhássemos o mundo com a cabeça de Jano: duas faces voltadas para sentidos opostos. Isso pode nos confundir a ponto de, às vezes, simplificarmos demais nossa identidade. Ora nos consideramos a ‘joia da criação’, ora os únicos vilões de verdade no mundo. Por que não aceitar que somos tanto uma coisa como outra?”

Minha Biologia diz que somos produto de milhares de anos de evolução biológica. E outros tantos milhares de aperfeiçoamento moral. Preconceitos que antes eram percebidos como corretos, passaram a ser vistos como errado. Como o caso do racismo. Sei que a biologia deu munição para ideias de superioridade de uma raça sobre outra. A tal eugenia é fruto podre da biologia. Triste ideia, resultados que serviam principalmente para justificar o injustificável. A biologia nesse momento foi serva fiel ao poder, deu ‘status’ de ‘evidência científica’ a algo que não devia sequer ser considerado como ideia plausível, que dirá fato científico. Tenho verdadeiro horror a termos como ‘evidência científica’ ou ‘cientificamente comprovado’. Comprovado por quem? Onde? Seguindo quais critérios? Não existem verdades absolutas na ciência. Pelo menos não na ciência biológica. Lembro que quando estava no terceiro período de graduação, uma professora falou sobre as sanguessugas. Que eram usadas antigamente como uma forma de tratamento. Mas que já não se fazia mais isso. Aí minha Biologia chega e mostra que as coisas mudam, e muito. Uns dois períodos depois fiquei sabendo que a ciência estava retomando o tratamento com sanguessugas. Que em alguns casos esse tratamento era mais eficiente. Verdades mudam.

Minha Biologia entende que não podemos viver endeusando a ciência. Ela tem limitações. E não é a única forma de conhecimento válido. Como lembram El-Hani e Machado (2020) a ideia de que o conhecimento científico era superior ao demais causou problemas. Esses autores citam o caso dos campos de arroz de Bali. Esses campos de arroz eram irrigados através de um sistema de gerenciado por templos hindu-budista dedicados a deusa do lago. Assim, esta forma de irrigação passou a ser vista como supersticiosa e, portanto, ‘não científica’. O governo, acreditando que apenas o conhecimento acadêmico tinha 'validade’, substituiu o sistema que possuía relação com religiosidade por outro, que tinham base técnico-científica (Revolução verde). Mas essa substituição foi um fracasso, pois a colheita de arroz diminuiu pela metade. Esses autores chamam atenção para o fato de que embora ainda existam atitudes anticientíficas (movimento Terra plana, antivacinas,...), é necessário reconhecer e valorizar a pluralidade de formas de conhecimento existentes. Essa é a forma que a minha Biologia pensa. E é essa forma e pensar que está presente na Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e na Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), que reconhecem a importância dos indígenas e do conhecimento local em conservação. (El-Hani e Machado, 2020).

Sei que a biologia, principalmente a que tem viés reducionista contribuiu para propagar ideias preconceituosas. Mas sei que essas ideias preconceituosas têm sido combatidas incessantemente por biólogos e biólogas que compreendem a complexidade das questões, procurando ver além do viés biológico. Para esses pesquisadores e pesquisadoras, temas como diversidade sexual, questões de gênero, ambientais ou mesmo aquelas relacionadas à saúde, não devem se ater apenas às informações que o biológico traz. 

Eles não acreditam, por exemplo, que a genética seja um fator determinante. Para esses biólogos e biólogas que, como eu, sabem que a minha Biologia é apenas o início de algo muito mais amplo, acreditar que um gene possa determinar radicalmente qualquer coisa é um pensamento que não acrescenta nada. Sim, eu sei que alguns genes provocam doenças que ainda não tem cura. Que até hoje testes genéticos podem dar a informação que muitos não gostariam de saber. Mas quem pode garantir que determinadas atitudes em um ambiente específico não possam atenuar os efeitos desse tipo de doença? A minha Biologia vê a cada dia pesquisas que procuram perceber formas de atenuar doenças ou até mesmo curá-las. 

Outra coisa que provavelmente já ouviram falar é que a biologia diz que ‘quem possui dois cromossomos sexuais X é mulher e quem tem um cromossomo sexual X e um Y é homem’. Minha Biologia diz além disso. Minha biologia é essa da imagem abaixo, com a Lisa Simpson. Ela explica que uma pessoa pode ter cromossomos sexuais XY, mas não ter pênis; ou ter dois cromossomos X e ter pênis. Ou pode ter pênis e se sentir mulher, e vice versa. Sim, a minha biologia mostra que pensar apenas nos cromossomos sexuais é uma visão limitada. E minha biologia não é limitada. Ela procura conhecer as diversas formas de existir inclusive sexualmente. E sabe que ela só traz uma pequena parte desse intrincado contexto, no qual cada apenas cada indivíduo pode dizer, o que é. 


(Fonte da imagem: Facebook da Ângela Maria Freire https://www.facebook.com/angelamaria.freire/posts/2207897805969752)


A evolução já foi utilizada para explicar a superioridade/inferioridade de um grupo humano em relação a outro. Foi o tal Darwinismo social. Como Ciência, a biologia não é neutra. As pessoas que abordam temas biológicos o fazem dentro de um conjunto de valores e ideias pessoais, que guardam relação com o momento que estão vivendo. E isso não os exime do erro. Mas, como aprendi com minha mãe, o erro é algo importante no processo da aprendizagem. E se quisermos realmente aprender, devemos estudar os erros para não os cometer novamente. 

Minha Biologia foi mal compreendida em alguns momentos. Em outras teve gente que realmente pensou a vida de forma pequena, reduzida. Esqueceu que vida é algo muito maior. Mas a biologia que aprendi na graduação e ao longo de quase 30 anos em sala de aula, me mostrou que sabemos muito pouco. Que a biologia é apenas uma peça no quebra-cabeça da vida. Amor, afetos, dores, alegrias, sucessos, lutas, cansaços, perseverança, fracassos, empatia, altruísmo, e tantos outras coisas também fazem parte da vida. Para entender um pouco mais o que é a vida, precisamos pensar em uma perspectiva bem maior que apenas o biológico. 

Minha Biologia sabe ser pequena. Mas fica feliz em ser pequena. Ela não acredita poder entender tudo. Ela acredita que pode começar a entender, mas sabe que precisa da ajuda de outras formas de pensar. Minha Biologia ama aprender. Entende que toda forma de conhecimento é válida. E segue procurando entender a vida. Seu objeto de conhecimento. Sabendo que por mais que aprenda, nunca será o suficiente. Porque para entender a vida, precisamos viver. Plenamente. 


Referências:

WAAL, Fraz de. Eu, primata: por que somos como somos. Companhia das letras, São Paulo, 2007.

EL-­HANI, Charbel N.; MACHADO, Virgílio Machado. COVID­19: The need of an integrated and critical view. Ethnobiology and Conservation, 2020, 9:18(18 May 2020)












Meu anjo trans e o anjo gay

Uma das coisas que me chamou atenção na quinta escola foi um menino (vou chamar de João, que é o nome de meu pai).

Assim que entrei na sala do 9º ano, dei de cara com João. Com cílios postiços lindíssimos, um batom bem discreto na boca, cheio de bijuterias. Tava lindo. Faço a chamada e como esperava, o nome no diário é o mesmo do Registro Civil: João. Observei se João demonstrava algum desconforto com seu nome. Não parecia se incomodar. Disse 'presente' e voltou a conversar com colegas que estavam próximos/as.

Fui observando com a turma se relacionava com João. Pareciam lidar bem com a forma de vestir de João. Não vou dizer que nunca percebi algumas 'gracinhas' ´por parte de colegas de outras turmas. Mas João lidava bem com isso. A depender do caso, nem respondia (dava o ombros, girava os calcanhares que estavam apoiados em um sapato alto e deixava a criatura preconceituosa falando só). Outras vezes dava alguma resposta, geralmente bem ácida. Com certeza João é uma pessoa bem resiliente.

Como não percebi nenhuma agressão a João que ele não pudesse lidar, nem nenhum desconforto, fiquei esperando o momento ideal para falar de transexualidade com a turma. Não queria chamar atenção sobre João, mas percebi que a turma (e aparentemente João também) confundiam homossexualidade com transexualidade. Achei que valeria a pena esclarecer, mas só se surgisse alguma oportunidade.
Um dia, estava falando de genética e perguntaram se 'homossexualidade é genética'. Disse que não existiam trabalhos comprovando  o componente genético na homossexualidade, mas existiam pesquisas, feitas com gêmeos criados separados no qual a percentagem de gêmeos homossexuais era maior que entre irmãos (não gêmeos, criados separados) que eram homossexuais, mas que isso era algo irrelevante. Não faria diferença saber se existia ou não um componente genético para a preferência sexual de uma pessoa. Que mesmo sendo um comportamento escolhido, toda escolha que não causasse prejuízos a outra pessoa deveria ser respeitada. Falei que se em um relacionamento (heterossexual ou homossexual), um dos parceiros agisse de forma desrespeitosa com o outro, isso sim deveria ser motivo de reprovação. Não a homossexualidade, a transexualidade, ou qualquer forma de vivenciar o amor. 

Aí aproveitei e expliquei que Homossexualidade refere-se a quem se deseja, já a transexualidade está relacionada ao corpo. A como a pessoa se sente. Pode ter nascido em um corpo com pênis (ou ter seios), mas não se sentir confortável com essa parte do corpo. Para isso existem pessoas que querem fazer a cirurgia de mudança de sexo. Outras pessoas (travestis, drag queens, e mesmo alguns transexuais) não se interessam pela cirurgia. Alguns até mesmo se sentem confortáveis com o pênis ou com os seios. Cada pessoa é única, não dá para querer que ela funcione de determinada forma. Só para que ela caiba na caixinha. Expliquei que pode ser transsexual, e ser heterossexual. Que mesmo quem quer mudar o corpo, pode ter desejo por alguém do sexo biológico diferente do dela. percebi que as cabecinhas estavam dando 'nós'... Mas fui explicando aos poucos e acredito que entenderam.
Foi uma aula bem legal. Estava toda preparada na minha cabeça. Esperando a oportunidade. E quando ela veio, pude fazer algo bem interessante.

Ah, descobri que João era 'baliza' da Banda da escola. Fazia o maior sucesso. Já vi João ajudando os meninos de um grupo de HipHop com a coreografia.

Tudo me fez crer que João tinha seu espaço. Conquistado provavelmente a duras penas, com bastante esforço. Mas ele era feliz. O importante era isso.

Mas uma coisa estava me incomodando: precisava saber se realmente João não se incomodava com o nome. Mas não queria perguntar na frente da turma. Então esperei uma oportunidade. E ela apareceu em um dia que João terminou a prova por último. Quando ele me entregou a prova, perguntei se podia fazer uma pergunta mais pessoal. Ele disse que sim, e expliquei que se não soubesse ou não se sentisse confortável, não precisava responder, mas que era algo que eu precisava perguntar. João concordou, e eu perguntei se ele se incomodava de ser chamado por um nome masculino. João disse que não, me olhou de uma forma muito carinhosa e percebi que ele gostou que eu tivesse mostrado sensibilidade a seu jeito de ser. Disse então que gosta do nome João. E que nunca pensou em ser tratado por um nome feminino. Saímos da sala e eu fiquei em paz.

Saber que João não se sentia mal toda vez que eu dizia seu nome na chamada fez bem para mim.
No final do ano João saiu da escola. Entrou no ensino médio. Espero que na outra escola, seu espaço seja tão bonito como o que ele conquistou na quinta escola. Ele merece!


Terminei de falar do meu anjo trans e lembrei de algo que uma pessoa conhecida me contou. Aconteceu com essa pessoa.  Vou chamar de Meu anjo gay. O nome fictício: Antônio, nome do meu avô. Vou relatar como se tivesse acontecido na minha turma, comigo. Mas não foi.

Bem, Antônio estava no 9º ano (ou 8ª série). Nessa época era um menino que se assumia como gay. E gay com forma de falar, andar e se comportar que não eram percebidos como 'masculinos'. E, como vários autores colocam, em alguns espaços, se o menino não apresenta um conjunto de comportamentos, percebidos como 'comportamentos de homem', ele também não é percebido como 'homem de verdade'.

Antônio se dava razoavelmente bem com a turma. Era uma turma calma, e tinha alguns casais (alunos e alunas que namoravam e eram colegas de turma).

Nesse contexto, Antônio era visto por mim como um bom aluno. Participava das aulas, fazia as atividades, questionava. Não tinha problema com nenhum professor ou professora. Todos sabiam da sua orientação sexual, mas não se preocupavam com isso. Se ele fazia tudo, estudava, o resto não era da conta de ninguém. 

Então chegou na escola um professor novo. Daqueles bem 'sem noção'. Professor de Religião. 
Nas primeiras semanas de aula esse professor conseguiu arranjar confusão com as turmas dos menores (6º e 7º anos). A confusão aconteceu porque o dito professor disse em sala que para ele "dois homens ou duas mulheres juntos/as não eram uma família. Família só existe quando tem um homem e uma mulher." Lógico que ia dar problema (mas ainda não foi com Antônio). Na escola existiam alunos e alunas que tinham dois pais/duas mães. As crianças revoltadas foram falar com a coordenação. Pais e mães foram reclamar na coordenação. O professor foi chamado, conversaram, e ele não falou mais de família. 

Mas pelo visto não aprendeu a lição. E começou a 'perseguir' Antônio. No início as coisas eram mais sutis. Antônio respondia, e as coisas iam ficando esquisitas. Quando a turma me contou que o professor de Religião 'pega muito no pé de Antônio', entendi que a homofobia do mesmo estava 'inquieta'. Como não conseguiu fazer o que queria contra as famílias, usava qualquer coisa que Antônio fizesse como motivo de repreensão. Só que ele não tinha apoio da turma. A turma apoiava Antônio. 

Até que um dia, eu estava dando aula no outro 9º ano, quando alguns meninos, colegas de Antônio chegaram revoltados na porta da sala que eu estava. Segundo eles o professor de Religião 'humilhou Antônio', 'disse coisas para ele que não se diz para ninguém'. Estavam com muita raiva das atitudes do professor. Eu perguntei a eles onde estava Antônio. Me me disseram que Antônio tinha ido para a sala da direção reclamar. Disse então aos meninos que se eles acharam a atitude do professor errada, que fossem apoiar Antônio. Que dissessem para a direção tudo que estava acontecendo. "Vão ficar do lado de Antônio, não deixem ele só em uma hora dessas. Ele precisa do apoio dos amigos.". Então os meninos saíram correndo para a sala da direção.

Embora o que estivesse acontecendo com Antônio fosse algo triste, meu coração estava feliz. Feliz por ver que os colegas não cederam ao discurso homofóbico. Que sabiam distinguir e se indignar com as injustiças. Bons meninos. Meninos que não temiam serem confundidos com gays por apoiarem o justo. Por não compactuarem com a maldade da homofobia.
Esses meninos não sabem como fico feliz quando atitudes de recusa ao preconceito aparecem. Como diz Padre Júlio Lancelotti: "Se nesse mundo excludente você não tiver uma dose de rebeldia, é porque se adaptou a esse modelo". Meus meninos recusaram aceitar a agressão a um colega apenas por ele ser gay. E foram ajudar o colega. Dar apoio. Sem receio de serem tachados de gays ou qualquer outra coisa. Meninos lindos da tia!

Quando passei na porta da sala da direção vi a turma em peso ao lado de Antônio, que estava sentado em frente a mesa da diretora. A pressão sobre ela deveria ser muito forte. Porque os meninos estavam gesticulando e falando muito. A revolta era grande. 

Não acompanhei o resultado da reclamação nesse dia, porque tive que ir embora. Mas no dia seguinte, assim que vi Antônio (na porta da escola, quando estava entrando) perguntei se o problema com o professor de Religião tinha sido resolvido. A resposta veio junto com um sorriso de pura felicidade; "Resolveu sim, professora!" Perguntei então se a solução que a diretora deu deixou ele satisfeito. A resposta veio com outro sorriso: "Muito satisfeito!"

Nem imagino o que aconteceu, mas acredito que o professor deve ter se desculpado. Muito a contragosto. 

O dito professor teve sorte, porque se eu fosse mãe de Antônio, esse senhor receberia um processo. 
Mas, acredito que para Antônio, a solução da direção foi melhor. E acho que o importante é que ele, o ofendido, tenha ficado satisfeito.

Meu anjo gay pode ter sido bem maltratado pelo professor, mas o apoio que recebeu das/os colegas foi bem bonito. Ele teve certeza nesse momento que não estaria só. Que sua turma estava ao seu lado. Talvez isso, seja mais importante que qualquer coisa.


Sabe a pesquisa: Armas na escola, qual o motivo?

Estou relendo algumas postagens (e corrigindo alguns erros de grafia). Então, qdo li a postagem sobre pesquisas, vi essa aqui: 1 - Armas na escola, qual o motivo?  http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/resumos/resumos/4273.htm

Lembrei que por causa dessa pesquisa me contaram um fato (não sei se verídico ou não), mas que achei interessante. Vou contar aqui como se tivesse acontecido comigo(até porque não lembro quem ou onde me contaram). E vou acrescentar uns detalhes. Acho que fica mais engraçado.

Armas na escola, qual o motivo?

Um dia entro na sala de aula e alguns alunos e alunas se aproximam dizendo que o aluno "X" está armado. Eu não acreditei. Uma turma do turno da tarde, com jovens de 13, 14 anos. Por que desgraça o menino estaria armado. Mas, para acalmar as criaturas que estavam visivelmente nervosas, chamei o tal aluno e perguntei se estava com alguma arma.O menino não se fez de rogado e levantando a camisa mostrou, na cintura, um revólver (se era de verdade ou não eu nem quis saber). Perguntei (a tal mania de perguntar tudo) porque ele estava armado na escola. Ele me respondeu que estava 'com umas tretas com uns caras' e eles podiam vir atrás dele. A arma era para sua segurança. Não tinha intenção de usar na sala de aula.

Ele ia explicando e na minha cabeça aparecia a 'visão do inferno': os 'caras' do lado de fora da sala, atirando pelas janelas (que eram baixas, na altura das carteiras) e ele (o aluno armado) do outro lado da sala (perto da porta) atirando de volta. No meio, eu e o resto da turma. Levando bala dos dois lados. Nem pensar!

Disse então ao aluno que na minha aula ele não ficaria armado de jeito nenhum! "Se vire. leve a arma de volta para casa, enterre, esconda. Não quero saber. Mas aqui vc não entra com ela."
O menino saiu e eu comecei a aula. Uns dez minutos depois ele volta. Perguntei da arma e ele disse que deixou com o diretor, que pegaria com ele na saída. Não acreditei muito que o diretor estivesse com a tal arma, mas o mais importante para mim é que ele não estivesse armado. Então pedi que levantasse a camisa (precisava ter certeza que o menino não estava mentindo). Não vi arma nenhuma.

Mandei ele sentar e continuei a aula. Na hora do recreio fui falar com  o diretor (ainda não estava acreditando que o menino tinha deixado a arma com ele). O diretor confirmou. Estava com a tal arma. Tava guardadinha no arquivo, que só ele tem a chave. Entregaria ao menino na saída. Era o diretor me dizendo isso e eu olhando para ele pensando: 'é doido, só pode!'.

O diretor, com anos de experiencia em escolas de periferia, me disse: "vc acha que esses alunos não vem armados para a escola? Muitos tem diferenças até com outros alunos daqui. Mas aqui é território neutro. Um não provoca o outro. Só que quando saem na rua, as coisas mudam. E uma arma pode dar uma sensação de segurança. É uma falsa sensação, mas não sou eu quem vai tirar isso deles."

Fiquei olhando para o diretor e pensando se eu teria coragem de fazer o que ele fez. Provavelmente não. Mas fiquei pensando se eu, como diretora, mandasse o aluno para casa, sem a arma. E se ele encontrasse com 'os caras', e fosse assassinado? Como me sentiria? Ainda bem que não sou diretora. É muita responsabilidade.