Uma Introdução

Uma Introdução

Porque criar um blog sobre as coisas que eu presenciei e ouvi durante minha carreira como professora de Educação Básica?

Nunca achei que alguém se interessasse por coisas que para mim são comuns, o cotidiano de uma professorinha.

Mas um amigo (Joseph), pensa diferente. Ele achou que minhas histórias poderiam ser interessantes. E me incentivou a escrever um Blog.

Talvez ele tenha razão. Afinal, uma pessoa que está em sala de aula a mais ou menos 20 anos deve ter algumas histórias para contar. E posso dizer que minha vida de professora (e esse blog é só sobre isso) não foi nada calma. Monotonia nunca fez parte da minha vida profissional. Criança é um bichinho que inventa...

As histórias que vou contar aqui são variadas. Algumas aconteceram comigo, outras com amig@s e alun@s. Para preservar a identidade das pessoas que foram protagonistas das histórias, vou trocar não apenas os nomes, mas outras características (idade/sexo/lugar onde o fato ocorreu). Resumindo, vou contar as histórias, mas sem revelar dados que possam identificar as pessoas envolvidas. Conto o milagre, mas não digo o santo.

Convido vcs a lerem um pouco dessas minhas 'aventuras' como professora. Trabalhei (e trabalho) em escolas de bairros bem pobres, onde faltava quase tudo. Menos a boa vontade de colegas e diretores para fazer a coisa dar certo. Pelo menos na maioria das vezes.

Aula sobre Banheiro

Montesquieu, filósofo fracês do século XVIII, diz no seu  romance "Cartas persas" que julgamos as coisas por uma secreta projeção de nós mesmos. É a partir das nossas experiências e formas de ver o mundo que avaliamos as outras pessoas. Nesse mesmo romance um dos personagens (persa) relata que ouviu de um parisiense a seguinte frase: “Ah! Ah! O senhor é persa? Que coisa extraordinária! Como é possível ser persa?"


Como é possível que alguém seja diferente de mim? É isso que o personagem de Montesquieu diz. Ele percebe o estranhamento que seus costumes causam aos parisienses.


Mostesquieu mostra como pensamos as coisas pelo nosso ângulo e não procuramos ver  como o outro pensa, como ele vive, por que ele age de forma diferente da nossa.


O que tem isso a ver com essa história? Muita coisa, no final vamos entender.


Estava eu na minha sala de aula quando a diretora me chama e pede que eu vá com ela no banheiro. Queria me mostrar uma coisa. Fomos ao banheiro dos meninos. Lá ela me mostrou uma 'canaleta' azulejada (azulejos branquinhos)por onde corria água que saía de um cano. Ela me explicou que ali era o lugar que os meninos urinavam. A água corria direto para evitar mal cheiro.


A diretora então me disse que tinha acabado de flagrar um menino pequeno (acho que da pré escola) lavando o rosto naquela canaleta. Ela tirou o menino de lá, explicou para que era aquele lugar de azulejo branquinho, que não era pia. O menino disse então que já havia visto outros colegas lavarem o rosto na canaleta. Foi aí que a diretora se assustou e me chamou. Afinal EU era a única professora de Ciências do turno. E parece que todos os 'abacaxis' da escola tem relação com a minha disciplina. Devia ter feito História (quando fui me inscrever para o vestibular estava em dúvida se faria Biologia ou História, escolhi Biologia).


Bem, o que ela queria de mim? Que eu ensinasse aos meninos e meninas para que serve um vaso sanitário, uma pia, etc... 


Para me convencer da necessidade dessa 'aula sobre banheiro' ela contou que durante as visitas que fazia as casas dos alunos e alunas percebeu que não havia banheiro. Descobriu que muitos defecavam no chão, em cima de um jornal, que depois era levado para fora de casa. A diretora me mostrou ainda os banheiros antes dos alunos entrarem na escola (ela passou uma semana tentando me convencer a dar essa 'aula')e depois do recreio. 


Impressionante! Antes dos alunos e alunas entrarem, os banheiros estavam limpos: os azulejos branquinhos e o piso lavado. Depois do recreio: xixi e fezes no chão do banheiro ao lado do vaso sanitário, que estava limpinho, como se ninguém tivesse tocado nele.


Cheguei à conclusão que precisava explicar para que e como se usa um vaso sanitário, o que é pia, o que fazer com os absorventes, coisas desse tipo. O professor de Educação Física ficou com a parte de explicar aos alunos para que serve a tal 'canaleta'.


Nunca pensei que algum dia precisasse ensinar como se usa um banheiro. A gente, que tem uma casa com quartos, banheiros, cozinha e sala, nem imagina (pq usamos a nossa vida como padrão) que para algumas pessoas tais 'luxos' podem não existir. Que algumas pessoinhas sequer sabem que existe um banheiro (e como ele deve ser usado) até entrar em uma escola.


Parodiando Montesquieu "Como é possível alguém não saber o que é um banheiro?"